Caro leitor, segue uma redação que elaborei no período colegial e adaptei atualmente para apresentação no Blog.
Nasci escravo. Meu corpo pertence ao senhor do engenho há 34
anos.
Nunca tive liberdade e nem sei o
que faria se a tivesse. Sou como um pássaro criado entre arames verticais, que
nem sabe como é viver livre e recebe sua quantidade de ração diária para sobreviver.
Não tenho alegria, mas tenho esperanças. Sempre vivi com pouco. Pouco carinho, roupa, comida e atenção.
O tempo não me pertence.
Acordo cedo, por volta das 5:00 h e lavo meu
rosto cansado numa bacia de alumínio toda amassada. Ponho meus pés descalços no
piso frio e úmido da senzala e recomeço meu dia. Tenho várias atividades para
cumprir.
O céu ainda é escuro e a neblina
domina toda a paisagem. Os pássaros ainda nem saíram de seus ninhos. Pego meu
banco de madeira, uma lata para guardar o leite, um balde com água limpa e uma
grande caneca. Caminho lentamente até chegar ao curral. O frio é intenso e não
tenho roupas de frio para me proteger. Ainda não tomei café e a minha barriga
geme.
As vacas estão acordadas me
esperando retirar o seu leite.
Amarro a corda em suas patas
traseiras e lavo as tetas com água limpa.
Aperto com as duas mãos o líquido
branco, quente e espumante desce até a lata. O cheiro é bom. Pego a caneca meio
trêmulo devido à fraqueza e tomo de uma só vez. O sabor é agradável e cala
minha barriga. A fome dá uma trégua. Consigo a energia que preciso para
trabalhar.
A lata está cheia de leite. Levo
com bastante cuidado até a casa do meu senhor. A família ainda não acordou.
Minha irmã é cozinheira de meu senhor. Entrego o leite para ferver no fogão a
lenha. O cheiro é bom. Acho que ela faz uma broa para o patrão.
Volto para o meu trabalho. O sol
aparece e brilha as gotas de orvalho. Procuro minha enxada que me acompanha
desde jovem. Foi meu presente de Natal de 15 anos.
Minha enxada é meu brinquedo.
Começo a capinar para esquecer minha vida desgraçada. A área é muito grande e
começo logo para esquecer-me da vida. Capino a manhã inteira imaginando
comer o pedaço de bolo que minha irmã fez para meu patrão. Minha boca enche de
saliva. As horas passam, mas não tenho relógio. Meu relógio é o sol. Quando se
encontra encima de minha cabeça é hora de comer alguma coisa. Não existem
frutas para comer na plantação. O terreno é seco. Minha barriga não para de
gemer e volto logo para a senzala. Não sobrou comida para mim. No fundo da
panela preta um resto de mingau de fubá. Meu corpo está fraco e molhado de
suor. Tomo aquele líquido na esperança
de fazer a dor sumir. Acostumo com a fome e minha irmã não aparece. A agonia
aumenta e o patrão grita pra eu voltar. Olho para ele com tristeza. Ele arrota
de satisfação. Tenho inveja dele. Queria poder comer um prato cheio. Minha boca
se enche de saliva. Ele joga um osso para o cachorro. Ai que vontade de ser um
cachorro. Não tenho mais esperança, mas no céu serei feliz!
Meu patrão me prometeu uma surra se
eu não voltar. Pego minha enxada e volto de cabeça baixa. Não tenho ânimo.
Estou fraco. Tenho a tarde inteira para trabalhar.
Recomeço mas não tenho forças. Fico
imaginando um prato de comida.
Capino a tarde toda.
A noite chega e volto para a senzala. Chamo
minha irmã e falo que estou muito fraco. Ela me traz dois milhos cozidos. Comi
feito um animal. Até o sabugo estava saboroso.
Minha fome dá um tempo. Meu corpo
está cansado.
Encho um balde de água e lavo meu
corpo. Não tenho sabão. Seco meu corpo ao vento.
É noite de céu estrelado. Deito no
chão ao ar livre e fico olhando para as estrelas.
Minha vista está cansada. Estou sem
forças para me levantar. Durmo no chão duro e o vento da noite me relaxa. O som
dos insetos me conforta. A noite poderia durar uma eternidade. Não tenho futuro
e a pior coisa que pode ocorrer com um homem é não ter opção.
Sinto-me cansado e adormeço.
Elaborado por Alex Gil
Ah! Se todos os nossos irmãos que sofreram a escravidão pudessem falar, ou tivessem oportunidade de lamentar, certamente teriam dito tudo isso que você escreveu. Muito bonito! Gostei.
ResponderExcluirObrigado!
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