03/05/2014
Lembranças da vovó
Sofá de couro, mesinha de centro, estante de livros e aparelho de som com discos de vinil. Final de semana, carne assada com batata, macarronada e Sílvio Santos na TV. Vovó acordava cedinho para preparar o banquete. Enquanto isso, vovô comprava doce de pêssego com creme de leite Nestlé. Às vezes era doce de figo. Cada encontro, uma festa. A mesa ficava pequena. Muitos copos e talheres sujos. Vovô tocava saxofone. Foi músico no passado. O trem apitava e os primos se acotovelavam à janela.
O carpete deixava nossos pés pretos, mas ninguém se importava. Na outra janela, a visão do "Asilo dos Velhos". Hoje asilo virou Casa de Repouso. Frescura de pessoas fofinhas que curtem o politicamente correto. Merda ainda se chama merda. As árvores cresciam em frente e quase tocávamos com a mão quando o vento batia. Alguns idosos acenavam para nós, enquanto tomavam banho de sol. Existia um velhinho careca e magrinho que vivia pedindo cigarro balançando sua mão em nossa direção. Havia grades em várias janelas, mas não sentíamos presos. Lá em baixo o papagaio da dona Maria e Sr. Domingos. Da janela da cozinha, os carros passavam pela Rua Ary Fontenelle. Muitos domingos, aniversários, natais e finais-de-ano. Na parte da tarde, bingo em volta da mesa e debaixo dela, escutava o ruído das pedras e das vozes dos adultos. Gostava de ouvir suas conversas enquanto jogavam. Vovó falava bastante e vovó silencioso. Naquela época o jogo se chamava víspora. Quanta conversa, gargalhada e confusão! Até hoje, imagino as brigas de família e as gargalhada engraçada da Gracinha, uma pretinha que morava com vovó. Titio almoçava e depois dormia num dos quartos. No quartinho dos fundos, brincávamos com o gravador do vovô, nossa diversão preferida. Aquele apartamento representava a união da família. Hoje vovô e vovó não existem mais. O apartamento continua lá, mas não tenho coragem de entrar. A família se dissolveu e restou apenas a lembrança, as fotos e a saudade.
Alex Gil 21/03/2014
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Amei esse texto. Está permeado de lembranças bonitas e quase vivas, quase palpáveis. Ao lê-lo, senti saudades dos meus tempos de criança, com a família toda reunida comendo e conversando.Família é família e como dói falar dos membros que já partiram...
ResponderExcluirQue história! Que saudade! Minha eterna bisa!❤️
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