O nome do nosso personagem é Juvenal. Encontra-se com 52 anos de idade e trabalha numa escola da periferia, como professor de matemática. Escolheu sua profissão por prazer. Falta pouco para se aposentar, mas vive seu pior momento. A nova Diretora da escola o detesta e os alunos o odeiam. O motivo? Ele é muito bom no que faz e costuma reprovar. Professor que reprova não é bem visto. Sofre pressão de todo lado. Os alunos não demonstram interesse em suas aulas e, além disso, não o respeitam. Juvenal necessita deste trabalho e enfrenta uma guerra por dia. É tarde para arrumar outro emprego e, além disso, está fora do mercado com essa idade.
O relógio marca 7:00 h e a campainha estridente avisa o início de sua odisseia na escola.
Hoje é o último dia do ano letivo e as notas finais serão divulgadas...
Juvenal engole rápido seu café na sala dos mestres e corre para o armário para recolher seu material.
Junta rapidamente seu diário, uma pasta com as provas corrigidas e um envelope contendo um revólver Taurus calibre 38 carregado.
Final de ano, mês de Natal, paz, amor, esperança e fraternidade, mas nem todo mundo pensa assim.
Ele apaga a luz e percorre lentamente o corredor, em direção à última sala.
O colégio é frequentado por pessoas muito importantes na sociedade. A maioria é filho de traficantes, maconheiros, ladrões e outras atividades menos sucedidas.
O dia mal começou e os alunos já estão excitados. Juvenal ainda se recupera de uma noite mal dormida sob efeito de um sonífero. No corredor, muitas gargalhadas, gritos histéricos e barulho de cadeiras sendo arremessadas contra as paredes.
Juvenal continua avançando como se estivesse num campo de batalha. Fita cada rosto e percebe a indiferença e o ódio de cada aluno. Dá uma conferida no seu material didático e segue seu caminho.
No meio do corredor, um rapaz maior que Juvenal, bate sua bola de basquete freneticamente contra o chão e quase o atropela, obrigando-o passar rente à parede. Seu coração fica mais acelerado.
O suor escorre pela sua testa e alguém grita bem alto: “Ô VÉIO FILHO DA PUUUUUTA!”. Gargalhadas explodem nas suas costas e ele se segura para não virar o rosto e descobrir quem gritou. Segue em linha reta até alcançar a sua sala.
Finalmente ele dobra à direita e entra em seu purgatório.
- Bom dia! - disse olhando para a turma.
Ninguém responde. Continuam distraidos como se ninguém tivesse entrado na sala.
Juvenal se sente como o inseto Gregor Samsa no livro "A Metamorfose" de Kafka.
A sala está lotada, mas ninguém nota sua presença. Muitas conversas, gritos eufóricos e um cheiro de maconha no ambiente.
Juvenal coloca seu material cuidadosamente sobre a mesa de madeira e nota que sua cadeira foi retirada.
Olha em volta para procurar a sua cadeira e a encontra no fundo da sala, debaixo do rabo de um rapaz magro, com cabelo oxigenado.
Juvenal dirige seu olhar ao aluno e pergunta educadamente:
- Maicosuel, poderia por gen-ti-le-za devolver a minha ca-dei-ra?
O rapaz o encara de modo desafiador e responde:
- Claro fessor, toma. – dando um chute com a sola do pé, empurrando a cadeira com toda violência.
A cadeira voa pela sala e pára a um metro de distância da mesa.
Juvenal respira fundo, recolhe a cadeira e enquanto a empurra em direcão à mesa lê a seguinte frase no quadro: “SEU VELHO INÚTIL, AQUI QUEM MANDA É NÓS”.
Juvenal olha para o chão e fica pensativo.
Esse é um daqueles momentos singulares da vida de um homem onde uma decisão tem que ser tomada ou vai se arrepender para sempre.
Pausa da cena: Muita gente não consegue entender por que algumas tragédias ocorrem. Quando analisamos uma reação desproporcional a algum evento, julgamos precipitadamente sem considerar o contexto. E isso nos leva a uma conclusão equivocada da situação. Somente aquele que sofreu uma grande injustiça ou afronta que fere a sua honra, sabe a força destrutiva que pode emergir no subsolo de sua mente. Isso é um grande perigo para aqueles que julgam ou minimizam os sentimentos e a reação de qualquer pessoa. Mesmo uma pessoa pacata pode promover grande estrago.
Voltando à cena. Juvenal pega o envelope onde está a sua arma, recolhe seus pertences e sai da sala.
Assim que Juvenal vira a porta, ocorre uma explosão de gritos e palmas, como se comemorassem um gol.
Ele entra na sala da Diretora e deixa as provas e os resultados sobre a mesa. A Diretora não estava naquele momento e ele resolve ir embora definitivamente.
Passa pela portaria do colégio e ninguém o cumprimenta, apesar de cruzar com vários professores e alunos no caminho.
Desce as escadas e se vira pela última vez em direção ao portão principal. Olha com tristeza a bandeira do país rasgada enquanto uma briga de adolescentes acontece próximo à saída.
Pega o ônibus lotado e chega a sua casa. Fica imóvel na soleira da porta tentando encontrar forças para entrar. As mãos trêmulas dificultam a abertura da porta. Ele entra e vai direto à cozinha.
Senta-se na cadeira de madeira em frente à mesa e coloca o revólver em cima.
O celular toca e ele escuta os berros do outro lado da linha em silêncio.
- JUVENAL, AQUI É A EDIMARA RADUAN SANCHES, A DIRETORA DO COLÉGIO. QUERO SABER POR QUE VOCÊ FOI EMBORA SEM A MINHA ORDEM E ABANDONOU SUA TURMA SEM DIVULGAR O...
Juvenal desliga o celular.
Em cima da mesa, uma caneta, algumas folhas brancas e sua arma.
As horas passam e Juvenal deprimido, pega a caneta e resolve escrever pensamentos confusos.
- Qual a finalidade da existência?
Pensa por um instante e escreve sua resposta:
- Não existe nenhuma finalidade, mas as pessoas não se dão conta disso. A vida é um teatro. Tão importante como as formigas que se aproximam de nosso doce e a esmagamos com a ponta dos dedos. É uma luta constante contra a natureza e nosso corpo. Nascer, crescer, multiplicar, envelhecer, adoecer e morrer. Enquanto isso, exigências, trabalho, lei, preocupações, inseguranças, sociedade, compromissos, indiferença, injustiça...
Juvenal pretende deixar ao mundo suas últimas palavras, mas desiste de escrever quando se dá conta que o mundo não necessita de suas palavras.
Juvenal larga a caneta e toma sua última decisão. Estica o braço, pega o revólver, olha para a boca do cano e o aponta em direção ao ouvido.
Sem hesitar, coloca o dedo indicador no guarda mato e lentamente puxa o gatilho até o final.
BUM!
A bala penetra-lhe o crânio e Juvenal é vencido.
O sistema venceu.
Enquanto isso, na sala de aula, os alunos explodem de euforia e fazem a festa.
A vida segue sob controle...
Elaborado por Alex Gil 23/03/2014
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