24/05/2014

Últimas palavras







Texto elaborado por Alex para todos e para ninguém.

Olá humanidade,
Nasci às 9:05h do século 21 num ano qualquer. 
Escrevi essas palavras nos meus últimos quinze minutos de vida, numa cidade qualquer.
Neste momento que você lê, não existo mais e deixo registrado algumas lembranças.

Morrer faz parte do processo da vida.
A última etapa de todo ser vivo.
Estamos programados para nascer, crescer e morrer.
Tem gente que não aceita isso e cria alternativas, para suportar a realidade.
E como existem alternativas e fugas!
Com ilusão ou sem ilusão, ninguém escapa.
Implacavelmente.
Não adianta plano "B".
Aceitemos isso ou não, a morte é um fato.
Uma realidade inexorável.
Alguém já parou para pensar que deixar de existir é uma coisa tão "natural" quanto existir?

Não sei se você me conheceu. 
Ninguém conhece totalmente outra pessoa.
Apenas a superfície é revelada.
Minha mente foi um universo de pensamentos e interpretações. 
Hoje repouso em paz.
Estou bem.
Fui amado pela minha família, amei e tive filhos.
À família saudades, aos amigos gratidão e aos idiotas a distância.
Só lamento ter viajado muito pouco. 
Mas no geral, saio satisfeito da vida.
Valeu a experiência.





Minha missão foi cumprida.
Eu disse missão?
Não gosto dessa palavra.
Seu significado é traiçoeiro.
O universo é probabilístico.
Eu nunca escrevi com intenção de reconhecimento ou aprovação. 
Compartilhei algumas pérolas.
Não ofereci o alimento correto.
Houve gente que não apreciou,
Houve gente que não compreendeu,
Houve gente que não mereceu.
Dê pérolas a quem merece e água para quem tem sede.
Escrever dá prazer. 
Transforma pensamentos em palavras.
Exercício de liberdade.
Um olhar sobre a vida. 
Bobagens sem importância.



Conheci gente apaixonada por pássaros presos na gaiola, pescaria numa noite fria ou futebol debaixo do sol de verão.
Dizem que somos livres.
Nem todos são livres.
Alguns escolhem o seu próprio cativeiro.
Que deixam marcas por toda a vida.
Alguns se tornam papagaios de frases e comportamentos.
Os mesmos tiques, trejeitos e frases prontas.
Cheios de culpas e medos.


Fui apaixonado por livros, filosofia e ciência.
Cada pessoa cultiva sua paixão ou prisão.
Os livros quebraram minhas algemas.
Melhoraram minha interpretação sobre o mundo, forneceram ferramentas contra o dogmatismo e exercitaram o livre pensamento.




Palavras carregam significados.
Às vezes ferem, mas também emocionam.
Prefiro as feridas de uma palavra dura do que a doçura de uma palavra que ilude.
A ferida cicatriza e te prepara para a batalha.
A palavra doce te ilude, mima e corrompe.
Tudo que escrevi pode ter sido irrelevante. 
Com o tempo todos seremos.
Agora que não existo mais, provavelmente serei lido.
Por curiosidade ou passatempo.
A vida não pode parar.
O feijão está no fogo.
Nossa importância aumenta um pouquinho depois que partirmos.
 - O que ele vai revelar? Alguma coisa que eu não saiba? Você pergunta.
 - Vou ler então. Pode ser algo que pague o meu tempo perdido!
Desculpe, mas infelizmente não tenho nada a revelar.
Sou uma pessoa banal, já disse isso.
Sinto muito em desapontá-lo (a)
 - Ah!, mas esse é o último texto, então deve ter algo interessante. Você pensa, tentando salvar o seu tempo desperdiçado.
Não tenho nada mais para oferecer, desculpe-me.
 - Ah! Mas isso não tem graça. Você pensa novamente.
Infelizmente também não sou engraçado.
 - Ah! então não era nada! Você pensa.
 - Achei que tivesse alguma coisa importante para dizer. Perdi o meu tempo!


Quando alguém morre, é praxe pensarmos na pessoa por alguns instantes. 
É uma forma de homenagem silenciosa.
Porém, receber reconhecimento ou ficar arrependido depois de morto não tem sentido.
Parece remorso.
Vejam quantas estátuas repousam esquecidas e cagadas nas praças.



A maioria nem lê o nome da pessoa. 
Quanto menos o que ela representou em seu tempo.
Serve de pouso para pombos.
Isso não é homenagem. É um desprezo.
A verdade é que todos seremos esquecidos. 
Alguns em vida.
A maioria depois da morte.
Sem exceção.
Essas palavras estão recebendo mais atenção do que habitual.
A diferença é porque agora estou morto. 
Quem morre, merece atenção.
O comportamento humano é previsível.
Existem duas perguntas que normalmente se faz quando alguém comunica a morte de alguém:
 - Morreu de quê? Tinha quantos anos?
No íntimo a pessoa compara a sua idade e a possibilidade de ter o mesmo fim.
O ser humano é previsível, incorrigível e banal.
Já reparou que todo mundo costuma prestar mais atenção, nas últimas palavras de um morto?
É uma homenagem disfarçada.
Na verdade somos menos importantes do que acreditamos.
Nossa estima elevada é ferramenta de sobrevivência. 
Nossa importância possui prazo de validade. 
Somos valorizados de acordo com a nossa capacidade de dar algo um troca. 
O altruísmo é o egoísmo elevado ao extremo. 
Gostaria de deixar uma última mensagem na minha pedra lápide:
"Não conte mais comigo".
Mas essa frase não é bonita.
Isso é feio, você pensa.
Apesar de hiper-realista, eu digo.
O mundo deve parecer belo.
 - Mesmo que falso?
 - Sim, sem beleza não tem graça.
Quem morre deve deixar uma mensagem linda mesmo que pueril.
Eu não tenho essa mensagem. Sinto muito.
Um amigo de Barra Mansa um dia me falou que em sua pedra estará escrito:
 "Aqui viveu um homem feliz".
Essa frase é bem melhor do que a minha.
Todo mundo gosta de final feliz.
Desculpe por não conseguir oferecer ilusão, sonhos ou eufemismos.
Então só me resta um até breve...
Ou "Enfim off-line" 

Bobagens escritas por Alex Gil, vivendo num dos momentos mais felizes de sua vida em 27/05/2014.

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