Tudo começou por acaso. Era feriado na cidade e eu estava posicionado atrás de minha mesa. Naquela época era permitido trabalhar em feriados.
Atualmente, somente em último caso e com boa justificativa.
O relógio na parede, aquele eterno carrasco do tempo, marcava 15:00 h e enquanto isso, os meus olhos permaneciam fixados no brilho azul da tela fria do computador à procura de alguma pista.
Lembro-me exatamente a data onde tudo começou: 26/05/2005, dia de Corpus Christi.
A mesa era imponente para os padrões de hoje.
Do lado direito 3 gavetas para guardavam canetas, lapiseira, clipes e objetos pessoais.
Em cima desse móvel um feltro macio servia de sanduíche entre a superfície de madeira e a dureza do vidro.
Algumas fotos eram encaixadas nesse espaço dando um toque familiar ao ambiente.
Entrei nesta sala com 19 anos de idade e quando penso sobre isso, quase não acredito que fiquei tanto tempo.
Reconheço que sou uma espécie em extinção. Hoje a tal geração "Y" tem pressa e querem colher antes de plantar e pior, abandonam a plantação antes do término da safra.
Foi um dia inesquecível o que descobri naquela tarde que mudaria a minha vida radicalmente.
Em minha frente estava a tela azul do SAP, (Sistema Aplicativos e Produtos para processamento de dados) quando resolvi explorar as suas aplicações antes de encerrar o expediente (nossa que palavra mofada!).
Acessei uma determinada "role", digitei os parâmetros de pesquisa, direcionei o ponteiro do mouse para o "relógio" e algo inédito se revelou às minhas retinas.
Leio com calma para assimilar... Meu coração disparou e quase caí da cadeira de susto.
Fiquei incrédulo e chocado com aquelas informações me perguntei:
- Então é isso?
Desligo o computador e vou embora para casa arrasado...
Interrompo a história e explico porquê.
Não posso revelar o que aconteceu naquele momento, meu nobre leitor. Desculpe-me, mas preciso dar um "corte" nessa parte da história e viajar no tempo de forma semelhante àquela cena clássica no do filme "2001 Uma Odisseia no Espaço" onde o macaco lança o osso para o alto e a cena viaja para o futuro...
Para tentar me defender desse "segredo", recorrerei a um "advogado", ou melhor, a um texto do grande escritor russo Fiódor Dostoiéviski e espero que me compreendam.
"Todo homem tem algumas lembranças que ele não conta a todo mundo, mas apenas a seus amigos. Outras lembranças, ele não revelaria nem mesmo para seus amigos, mas apenas para ele mesmo, e faz isso em segredo. Mas ainda há outras lembranças em que o homem tem medo de contar até a ele mesmo, e todo homem decente tem um considerável número dessas coisas guardadas bem no fundo. Alguém até poderia dizer que, quanto mais decente é o homem, maior o número dessas coisas em sua mente".
Viajo no tempo e continuo essa história interrompida 3 anos e 8 meses depois...
Fim de tarde de janeiro de 2009. O escritório está vazio e silencioso como um sepulcro.
Abro a gaveta pela última vez para conferir se não esqueci de nada.
Vejo agora algumas canetas, borracha e minha carteira.
De resto, nada de valor. Apenas lembranças impregnadas em cada objeto.
Estou sozinho na sala.
O silêncio é ensurdecedor e quase escuto as batidas do meu coração.
À minha esquerda, duas mesas vazias. No centro, uma grande mesa de madeira com o formato de um caixão. Quantas reuniões, projetos, cafés e confusões presenciei como uma coruja tudo o que acontecia naquela mesa. Aliás, foi nela que iniciei trabalhando como "terceiro", atualizando desenhos, porque não havia um local apropriado para a minha atividade.
À frente, uma parede de vidro e atrás várias janelas à altura do ombro separam a avenida Domingos Mariano e o escritório.
O relógio de parede, aquele eterno carrasco, agora marca 17:30 h e hoje é o meu último dia.
Retiro as pilhas do relógio para que o ponteiro repouse e registre o minuto derradeiro de uma longa história. Neste escritório, entrei pela porta com apenas 19 anos de idade no ano de 1985. Um garoto tímido e inexperiente com vergonha até de sorrir. O tempo passou e alcancei 43 anos de idade, ficando 24 anos entrando e saindo todos os dias daquela sala. Parece muito tempo, mas quando trabalhamos não sentimos o tempo passar.
O cenário é de abandono e de tristeza. Fiquei no silêncio daquela sala honrando meu compromisso profissional até o último dia.
Desligo o microcomputador, retiro meu agasalho que estava na cadeira e me visto. Caminho até a porta, paro e fico mais alguns instantes olhando para trás.
Tudo morto.
Não tenho ninguém para dizer "até amanhã" e estou sozinho me preparando para sair por aquela porta e nunca mais voltar. Respiro fundo, olho pela última vez, puxo a porta e desço os dois lances de escadas. Atravesso um pequeno corredor, paro na Portaria e minha vista alcança a Recepção de Leite e logo atrás a histórica chaminé...
Essa foi a minha última imagem de uma fábrica inaugurada em 1937 e sepultada em 2009 com 72 anos de vida. Abro o portão de alumínio, piso a calçada da Avenida Domingos Mariano e deixo para trás uma vida, amigos e a minha história de 24 anos trabalhando naquele local para sempre.
Elaborado por Alex Gil Rodrigues em 06/03/2016.
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