08/05/2020

Página 13 - Meu livro: Memórias de Zara Crotone


Sonhei que caminhava descalço e desorientado numa fazenda de café. Os meus pés afundavam na terra macia e vagava sem destino, como Dante na selva escura. Aproximei-me de um rio e parei próximo à sua margem lotada de gravetos e folhas secas. Escalei uma pequena pedra lisa e angular cujo formato lembrava um trampolim, flexionei os joelhos, juntei as mãos na altura do ombro e mergulhei de olhos fechados no sentido transversal à correnteza. Era agradável e relaxante o contato com a água fria sobre o meu corpo. Após algumas braçadas, levantei a cabeça para fora da superfície e apesar da escuridão, avistei o vulto de uma pessoa sentada na entrada de uma pequena gruta do outro lado da margem. Um pequeno lampião fornecia uma pequena luminosidade.

Movido pela curiosidade, caminhei na direção daquela pessoa e me escondi atrás de um arbusto. Naquela distância, a imagem borrada impedia-me a visualização de seu rosto. Aproximei-me mais um pouco, tomando cuidado para não ser avistado e a intrigante imagem se formou. Ao lado da pessoa haviam dois cachorros descansando. Por um descuido, pisei sobre alguns gravetos e o ruído revelou a minha presença. Os animais me olharam com inesperada indiferença e permaneceram estáticos. O desconhecido, levantou-se e veio caminhando lentamente em minha direção.

Meu coração disparou por ter sido surpreendido e mais ainda ao ficar de frente com aquele rosto e perceber que era familiar. Era muito magro, cabelos lisos e pretos, caindo na testa e caminhava como um idoso. O espanto inicial foi substituído por uma súbita tristeza. Possuía a fisionomia de uma pessoa angustiada e derrotada. Senti vontade de abraçá-lo mas não tive coragem. Não restava mais dúvidas, era ele! 

- Pai! O senhor aqui? – perguntei surpreso. 

- Porque o senhor foi embora de nossas vidas, no momento em que nossa família mais necessitava de sua presença, seus exemplos e ensinamentos? 

Enquanto eu perguntava ele permanecia cabisbaixo e silencioso.

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