08/05/2020

Página 02 - Meu livro: Memórias de Zara Crotone


Meus raros leitores, eu me chamo Zara Crotone e aproximo dos 70 anos. Não quero ser exemplo de nada e nem peço a sua compaixão pela minha idade. Preciso contar urgente minha história e meus segredos, antes do meu retorno implacável ao grande nada. Meu prazo de validade está chegando ao fim, como tudo que nasce, cresce e desaparece na natureza. Com o decorrer dos anos, somos esquecidos ainda em vida de forma lenta e gradual. Primeiro pelas pessoas que não obtêm mais nenhuma vantagem com nossa existência, depois por aqueles que de alguma forma ajudamos, em seguida pelas amizades circunstanciais e por último por aqueles que amamos. Não necessariamente nessa ordem.

Daqui a duas gerações ninguém mais saberá o que signifiquei e realizei enquanto respirei. Mas isso também não terá importância alguma. Fui apenas mais um ser pensante, finito e útil por algum tempo.


Talvez algum descendente ou estranho encontre minha última fotografia esquecida no meio dos documentos da família, no fundo de uma gaveta. Quem sabe até perca preciosos segundos repousando os olhos sobre aquela fisionomia desconhecida, impressa em papel amarelado pela ação do tempo. E isso também não será importante.

E provavelmente, essa pessoa, num gesto desinteressado, descartará esse papel insignificante na lata de lixo e assim consolidar definitivamente a extinção de minha última imagem. Nada disso também terá importância. 

Para me confortar, penso, enquanto existo, nas palavras de Epicuro:

“O mais terrível dos males, a morte, nada representa para nós, pois enquanto estamos vivos a morte não existe e quando a morte acontece nós deixamos de existir”

Diante desse quadro pintado com tintas cinzentas, só me resta dedicar a minha vida aos poucos que me toleraram ao segundo verme que roer as frias carnes do meu cadáver, pois o primeiro foi inesquecivelmente dedicado à Bras Cubas, de Machado de Assis.

E já que citei um escritor brasileiro eu não poderia deixar de mencionar Fiódor Dostoiéviski, em seu romance “Memórias do Subsolo” onde ele disse que algum segredo da vida de um homem perece junto dele, porém, contrariando o mestre da literatura russa, pretendo perecer sem os meus e compartilhar com vocês a história da minha vida.

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