Aproximo mais um pouco, olho em volta e percebo que a atendente encontra-se com os olhos fixados no monitor. Avanço delicadamente sobre as portas vai-e-vem e quando a metade do meu corpo acabara de atravessar, um grito alto, grave e desgraçado logo atrás de mim, ecoa por todo o corredor:
- SENHOR! VOLTE IMEDIATAMENTE! NÃO LEU QUE A ENTRADA NESTE RECINTO É PROIBIDA?
- Puta que o pariu – Xingo mentalmente, sem mexer com os lábios, mas no meu íntimo, uma imensa sobrecarga de revolta por ter sido repreendido mais uma vez em público.
- Desculpe cavalheiro, é que eu queria ir ao banheiro! – Respondi sem graça, sem rumo e ainda chamando-o de cavalheiro, para tentar manter naturalidade e recompor-me.
- O banheiro fica naquela direção. – Disse o gordo sem pescoço, apontando o dedo indicador para o lado oposto.
- Falta de respeito! Falar comigo naquela altura. Num hospital! Francamente! – resmunguei.
Como fui esquecer da possibilidade de existir um homem gordo e sem pescoço seguindo-me com os olhos, feito uma múmia, atrás da coluna? – me pergunto.
Dirijo-me a passos largos ao banheiro para disfarçar minha desorientação e aproveito para lavar o meu rosto e pensar em alguma outra solução.
Não consigo me acalmar e volto imediatamente até à atendente andrógina e disparo:
- Olha aqui menina! Minha esposa deu entrada neste hospital a uma hora, não fui bem atendido e agora mesmo vi uma maca estacionada no final do corredor e exijo saber se é Alice que está abandonada. – falei tão alto e descontrolado que até cuspi sem querer no seu rosto.
A atendente levanta a cabeça lentamente em minha direção, com aqueles olhos pequenos e arrogantes, típico de quem não se sente ameaçado e subjuga outra pessoa, tentando demonstrar controle da situação,vociferando logo a seguir:
- Olha aqui! Digo eu, senhor! Eu já falei e vou repetir. Sua esposa já recebeu o primeiro atendimento estabelecido por lei e não estamos conseguindo vaga no hospital público. Ela não se encontra no corredor! O senhor se enganou. Fui claro ou quer que eu chame o segurança se levantar a voz mais uma vez para mim?
- Mas ela está bem? Não corre mais perigo? - perguntei baixando o tom de voz.
- Senhor, aguarde no sofá por favor! O médico responsável pelo seu caso virá conversar assim que ele concluir seus trabalhos no centro cirúrgico. Peço que o senhor se sente naquele sofá – respondeu de forma ríspida.
- Não vou me sentar! – Falei alto e olhando para ela.
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