20/04/2016

#1 - O Estrangeiro - Autor: Albert Camus - A primeira página de meu livro



Livro: O Estrangeiro - Autor: Albert Camus

Página 1

Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames." 
Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.
O asilo de velhos fica em Marengo, a oitenta quilômetros de Argel. Vou tomar o ônibus às duas horas e chego ainda à tarde. Assim posso velar o corpo e estar de volta amanhã à noite. Pedi dois dias de licença a meu patrão e, com uma desculpas destas, ele não podia recusar. Mas não estava com um ar muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: "A culpa não é minha."
Não respondeu. Pensei, então, que não devia ter-lhe dito isto. A verdade é que eu nada tinha por que me desculpar. Cabia a ele dar-me pêsames. Com certeza, irá fazê-lo depois de amanhã, quando me vir de luto. Por ora é um pouco como se mamãe não tivesse morrido. Depois do enterro, pelo contrário, será um caso encerrado e tudo passará a revestir-se de um ar mais oficial.
Peguei o ônibus às duas horas. Fazia muito calor.
Como de costume, almocei no restaurante Céleste. Estavam todos com muita pena de mim e Céleste disse-me: "Mãe, só se tem uma." Quando saí, acompanharam-me até a porta. Estava um pouco atordoado porque foi preciso ir à casa de Emmanuel para lhe pedir emprestadas uma braçadeira e uma gravata preta. Ele perdeu o tio há alguns meses.
Corri para não perder o ônibus. Esta pressa, esta corrida, os solavancos, o cheiro da gasolina, a luminosidade da estrada e do céu, tudo isso contribuiu, sem dúvida, para que eu adormecesse. Dormi durante quase todo o trajeto. E quando acordei estava apoiado em um soldado, que sorriu e me perguntou se eu vinha de longe. Respondi "sim" para não ter de falar mais.
O asilo fica a dois quilômetros da aldeia. Fiz o percurso a pé. Quis ver mamãe imediatamente. Mas o porteiro disse-me que eu precisava procurar o diretor. Como ele estava ocupado, esperei um pouco. Durante todo este tempo, o porteiro não parou de falar. Depois o diretor recebeu-me no seu gabinete. É um velhote, que tem a Legião de Honra. Fitou-me com seus olhos claros. Depois apertou-me a mão e conservou-a durante tanto tempo na sua que não sabia mais como retirá-la. Consultou uma pasta e disse-me:
- A Sra. Meursault entrou aqui há três anos. O senhor era o seu único apoio.
- Achei que me estava censurando por alguma coisa e comecei a explicar-lhe. Mas ele me interrompeu:
- Não tem de justificar-se, meu filho.
Estive lendo o dossiê de sua mãe. O senhor não podia prover o seu sustento. Ela precisava de uma enfermeira. O seu ordenado é modesto. , afinal, ela era mais feliz aqui.

...


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