30/04/2016

O que penso sobre a religião hoje!




Estou de volta aqui neste sábado gelado de 30 de Abril de 2016, para escrever minhas tradicionais banalidades. Hoje digitarei sem censura sobre um tema tão "apaixonado" quanto delicado. E por que tratarei de um assunto tão delicado aqui no Diário Banal?

- Primeiro, porque ter opinião não é crime e também porque quero deixar algumas coisas escritas para os meus filhos e quem sabe até meus futuros netos. 

Eu não tive oportunidade de saber o que o meu pai pensava sobre a vida e nem o meu avô e então, para que meus descendentes conheçam um pouco "direto da fonte", deixo aqui minhas próprias palavras. 

Bem, vamos direto ao tema! 

Cresci fora da religião, graças a "Deus"! (É ironia hein!)

Nunca me encaixei no sistema e isso já faz muito tempo. 

Na minha juventude a religião predominante era a católica e o movimento pentecostal fundado por brasileiros, ainda não possuía a penetração como atualmente. Eu enxergava a religião como um evento domingueiro onde as pessoas colocavam sua melhor roupinha para se reunirem numa igreja. 

Em minha memória juvenil existiam os católicos, os macumbeiros, pouquíssimos evangélicos e uma parte que não frequentava nenhuma religião mas que se autodenominava "católico não praticante". Bem, essa era a minha percepção sobre o ambiente. Naquela época eu não conhecia nenhum budista, ateu ou espírita. 

Diante desse pano de fundo, cresci fora da bolha religiosa e consegui escapar porque não havia nenhuma influência familiar e aquilo também não me atraía. 

Lembro-me de que até cheguei a assistir algumas missas por livre iniciativa na igreja matriz de São Sebastião de Barra Mansa-RJ, com o objetivo apenas de agradecer pelo ar que respiro e pela minha mãe viúva com três filhos. Nunca fui de ficar ajoelhado pedindo coisas. 

Se eu fosse pedir alguma coisa, talvez fosse o meu pai perto da gente ajudando a minha mãe criar os três filhos pequenos, mas isso era impossível pois ele já não existia mais e diante do implacável, prometi a mim não pedir nada e seguir a minha vida "sozinho". 

Naquela época, as pessoas religiosas não ficavam dedicando seu tempo livre para conseguirem "almas" para as suas igrejas ou para Jesus, como os evangélicos preferem dizer atualmente. Que eu me lembre, nunca ninguém chegou perto de mim para me convidar ou insistir para participar das missas ou participar de algum culto! 

Nem o meu avô, que era a pessoa mais próxima e católico, nunca tocou nesse assunto. Aliás meu avó era de pouquíssimas palavras e colocava seu terno, sapato preto, uma caneta no bolso e comparecia às missas apenas aos domingos de manhã. A religião para ele era uma coisa muito íntima e silenciosa. Gosto de gente que não fica falando o tempo todo sobre religião! 

No meu bairro havia um grupo de jovens católicos que se reunia para cantar e tocar violão na igreja ou na casa dos outros. Os jovens gostavam porque era uma forma de terem contatos, passear e até iniciar os namoricos. Nessa época, também não me recordo de ter recebido um único convite para fazer parte do grupo. Eu sou um sujeito que me acostumei desde cedo a não fazer parte de grupos. Eu tinha no máximo um ou dois amigos quando muito, para ir ao cinema, clube e festinhas. Na maioria das vezes eu preferia mesmo era ir sozinho ao meu próprio caminho. Aprendi ser ser independente desde a perda do meu pai e a partir de então nunca admiti que me conduzissem. Nunca precisei de pastor, padre, rabino ou qualquer tipo de líder religioso para tomar as decisões sobre a vida. 

Antigamente eu falava para os outros que era católico, para não me sentir excluído e ninguém me encher o saco. 

Era semelhante aquela desculpa daquela pessoa que está num meio de um grupo fanático por futebol e diz torce para qualquer time, apenas para ser aceito socialmente mas não sabe o nome de nenhum jogador e nem assiste os jogos. 

O meu pai também se dizia católico mas não me lembro dele frequentar a missa. Ele gostava mesmo era de frequentar o barzinho do Sr. Odair e do Murilo que existia perto de nossa casa.

No final da década de 1970 papai teve uns 3 infartos e sentiu vontade de viajar até "Aparecida do Norte" para pedir saúde à padroeira. Só um detalhe banal: Naquela época todo mundo falava "Aparecida do Norte" mas o nome correto é apenas "Aparecida". Percebi que na minha cidade todo mundo falava errado e existe gente até hoje que ainda fala dessa forma.

Hoje, além de eu saber o nome correto, sei também que um comprimido cura mais do que boas intenções ou rezar de olhos fechados. 

A viagem à Aparecida significava a sua cura. Nós, como toda criança que quase não sai dos limites das paredes do quintal, significava a oportunidade de passear. Adoramos aquela viagem! 

Naquela época, ainda existia o famoso trem de aço que levava os passageiros de Barra Mansa-RJ até Aparecida. Como nunca havíamos "andado" de trem, essa acabou sendo a viagem inesquecível de nossa pobre família. 

Ficamos três dias naquela cidade e visitamos a Basílica "Velha", a "Nova", o hotel, o comércio de bugigangas e o parque de diversões. Meu pai deve ter gasto toda a sua economia nessa viagem. Comemos em restaurantes e dormimos em hotel pela primeira vez na vida! 

Lembro que em frente à "Basílica Velha", era assim que chamávamos, existiam aqueles fotógrafos que os jovens só conhecem através de filmes, onde o fotógrafo ficava atrás da câmera com tripé, levantava o paninho preto e escondia sua cabeça enquanto ficávamos por algum tempo juntos esperando o clique da máquina. 

A fé do meu pai aumentou à medida em que ele piorava de saúde e infelizmente ele não foi curado. Morreu com apenas 42 anos de idade!!! 

Enfim, cresci e me desenvolvi sem influências religiosas de parentes ou amigos e até hoje me mantenho independente. Procuro utilizar a razão para tomar decisões e desviar das ilusões reconfortantes e ilusórias. Não é mais uma questão de escolha. Para mim foi um longo processo alcançado gradativamente através de observações, leituras, reflexões e percepção das incoerências. 

Hoje eu sei claramente que a religião é um sistema fechado que inicialmente te oferece suporte psicológico e esperanças e aos poucos domina totalmente a sua vida, dizendo o que você deve e pode pensar, o que ler, falar, vestir e onde frequentar. Algumas escolhem até o marido ou a mulher para o jovem se casar!!! Dizem que consultam o Espírito Santo! Conversa para boi dormir. Os líderes decidem tantas coisas em nome do "Espírito Santo" mas quem está dentro da bolha não desconfia dessa farsa. A coisa acontece de maneira sutil. É interessante para a igreja que os futuros casais sejam da igreja para que ambos já dominados e adestrados pela doutrina, perpetuem aquela filosofia de vida 

Com o tempo, a interferência e o domínio da vida do membro faz com ele sentir um grande sentimento de culpa pelos próprios impulsos naturais! O sujeito vai se tornando tão dependente que, além de não conseguir tomar conta de sua vida e seu tempo livre, a igreja elabora inúmeras atividades para preencher 24 horas do dia da pessoa, sobrando pouco tempo para pensar e um tempinho para dormir, afinal, precisam acordar bem cedo para participar da "oração da madrugada" para receber mais "bençãos"!!! E caso algum membro falte às atividades, logo ele é procurado sutilmente em sua casa para uma visita para oração e claro, ouvir a justificativa da ausência! 

Aliás , quando o membro se ausenta da igreja, ele sente sua vida infeliz e com sentimento de culpa tão grande que não consegue mais viver sem aquele sistema. Torna-se um dependente semelhante às drogas ilícitas. Pensam que não existe mais vida fora daquilo.

Vejo com muita preocupação o trabalho mental que fazem principalmente com os mais jovens, fazendo-os desprezarem a vida e acreditarem numa "vida após a morte" e que o universo gira em função das pessoas que dele fazem parte, invertendo as prioridades e objetivos da vida. Além disso, criam na cabeça deles, uma polícia mental que monitora 24 horas através de um olhar invisível e punidor! Isso é muito cruel! 

O método é tão bem elaborado que quem entra no sistema não percebe a dependência e o vício. Acreditam veementemente que esta forma é o único "caminho, a verdade e a vida"! 

A vacina é tão eficiente que caso rompam os grilhões que os mantêm dominados, logo procuram outra para oferecerem o pescoço, as mãos e a própria vida porque não conseguem mais decidirem de forma independente e livre. 

Os membros assumem tantas responsabilidades dentro da igreja e ainda pagam por isso. Trabalham incessantemente todos os dias e finais-de-semana até a exaustão, com o objetivo de conseguirem cada vez mais pessoas para viver dentro da bolha, abrindo mão da própria vida, adiando planos pessoais em prol dos objetivos deste sistema. 

Estou escrevendo tudo isso porque conheço muito bem como funciona o método, apesar de não fazer parte. Os membros vivem como se tivessem o cérebro formatado e programado conforme as regras do sistema e acreditam que existe um universo paralelo. 

Agem como robôs programados para executarem tarefas em retribuição às muletas psicológicas, seguindo normas rígidas imposta pelos líderes em nome do "espírito-santo", que controlam todos os aspectos da vida social dos habitantes da bolha, fazendo os membros robotizados aceitarem o comando feliz e culpado! 

É por essas e outras que adoro a seguinte frase atribuída ao Abraham Lincoln: 


"Quando faço o bem, sinto-me bem, e quando faço o mal, sinto-me mal. Eis a minha religião."


Nota do autor: Posso até ser criticado por não ter escrito o lado positivo da igreja na vida das pessoas, mas o objetivo desta publicação não era fazer esse enfoque, aliás não tenho essa obrigação e nem pretensão. Escrevo o que me vem à minha cabeça sem compromisso. Eu reconheço que existe um trabalho social desenvolvido por algumas denominações (bem poucas), pois a maioria está preocupada mesmo em aumentar o número de adeptos, que significa mais poder e dinheiro e com a a própria "salvação", ou sei lá o que isso quer dizer. Outro ponto positivo é o apoio psicológico às massas, dado que o ser humano é um bicho carente, mas isso também possui um "custo elevado". Nada é de graça. Preciso dizer também que respeito a escolha de cada um, como gostaria que respeitassem a minha forma de interpretar o mundo. Por fim, já repararam que mesmo os mais apaixonados pela fé morre de medo de morrer? Se tivessem absoluta certeza de que essa vida não é nada comparada com o que virá, certamente haveria festa e desejo para morrer o mais rápido possível. Não é o que vemos por aí! Deixe-me terminar essa nota se não vai virar outra publicação! 


Bem leitor, essa foi a banalidade de hoje!

Até a próxima!


26/04/2016

#7 - As cinzas de Ângela - Autor: Frank McCourt - A primeira página de meu livro


Livro: As cinzas de Ângela - Autor: Frank McCourt

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Meu pai e minha mãe deveriam ter ficado em Nova York, onde se conheceram e se casaram e onde nasci. Em vez disso, voltaram à Irlanda quando eu tinha quatro anos, meu irmão, Malachy, três, os gêmeos, Oliver e Eugene, um pouco mais de um ano, e minha irmã, Margaret, já morta. 

Quando recordo minha infância, fico imaginando como foi possível eu ter sobrevivido. Foi, é claro, uma infância miserável: uma infância feliz não conta muito. Pior do que uma infância miserável comum é a infância miserável irlandesa e pior ainda é a infância miserável católica irlandesa.

Muita gente por aí se gaba e chora sobre os sofrimentos dos primeiros anos, mas nada se compara à versão irlandesa: a pobreza, o pai bêbado, desempregado e loquaz; a mãe devota e arrasada, lamentando-se em frente à lareira, padres presunçosos; mestres tirânicos; os ingleses e as coisas terríveis que fizeram conosco durante oitocentos longos anos.

E acima de tudo - estávamos sempre úmidos.

Bem longe no Oceano Atlântico, grandes massas de chuva se acumulavam e subiam o Rio Shannon e se firmavam para sempre em Limerick. A chuva umedecia a cidade desde a Celebração da Circuncisão no primeiro de janeiro à noite do Ano-Novo. Criava uma cacofonia de tosses secas, chocalhos bronquiais, chiados asmáticos, grasnidos tísicos. Transformava narizes em fontes, pulmões em chamariz de bactérias.

Provocava curas sem fim; para diminuir o catarro, podia-se ferver cebolas em leite temperado com pimenta-do-reino; para aliviar os bloqueios nas vias respiratórias, podia-se fazer uma pasta de farinha de trigo e urtiga, enfiá-lo num farrapo e batê-la, ainda fervendo, no peito.

De outubro a abril as paredes de Limerick brilhavam com a umidade. As roupas nunca secavam: casacos de lã e tweed alojavam coisas vivas, muitas vezes crescendo brotos misteriosos. Nos pubs, o vapor subia de corpos e vestimentas úmidos para ser inalado junto com a fumaça de cigarros e cachimbos misturada com o odor repugnante de cerveja preta e uísque derramados, com um toque de mijo que vinha do sanitário do lado de fora, onde muitos dos homens vomitavam seus salários da semana.

A chuva nos levava à igreja - nosso refúgio, nossa força, nosso único lugar seco. Para a missa, o Benedictus, as novenas, nos aglomeravam em grupos úmidos, cochilando durante a prédica dos padres, enquanto o vapor subia de nossas roupas, para se misturar ao doce aroma do incenso, das flores e das velas.
       
Limerick ganhou a reputação de devoção, mas sabíamos que era apenas por causa da chuva.

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25/04/2016

#6 - Memórias Póstumas de Brás Cubas - Autor: Machado de Assis - A primeira página de meu livro



Livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas - Autor: Machado de Assis

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.


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Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos!

Verdade é que não ouve cartas nem anúncios. Acresce que chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova:

- Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.

Bom e fiel amigo! Não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim,  - a filha, um lírio do vale, - e... Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que os parentes. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que reúne em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.
- Morto! morto! dizia consigo.

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24/04/2016

#5 - 1984 - Autor: George Orwell - A primeira página de meu livro




Livro: 1984 - Autor: George Orwell

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Era um dia frio e ensolarado de Abril, e os relógios batiam treze horas. Winston Smith, com o queixo fincado no peito numa tentativa de fugir ao vento impiedoso, esgueirou-se rápido pelas portas de vidro da Mansão Vitória; não porém com rapidez suficiente para evitar que o acompanhasse uma onda de pó áspero. 


O saguão cheirava a repolho cozido e a capacho de trapos. Na parede do fundo fora pregado um cartaz colorido, grande demais para exibição interna. Representava apenas uma cara enorme, de mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços rústicos mas atraentes. Winston encaminhou-se para a escada. Inútil experimentar o elevador. Raramente funcionava, mesmo no tempo das vacas gordas, e agora a eletricidade era desligada durante o dia. Fazia parte da campanha de economia, preparatória da Semana do Ódio. O apartamento ficava no sétimo andar e Winston, que tinha trinta e nove anos e uma variz ulcerada acima do tornozelo direito, subiu devagar, descansando várias vezes no caminho. Em cada patamar, diante da porta do elevador, o cartaz da cara enorme o fitava da parede. Era uma dessas figuras cujos olhos seguem a gente por toda parte. O GRANDE IRMÃO ZELA POR TI, dizia a legenda. 

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23/04/2016

Homem de palavra



Hoje o Diário Banal abre espaço para um desabafo! Peço desculpas e solicito a sua compreensão se você acompanha as minhas publicações banais ou chegou aqui por acaso. Escreverei num fôlego só, sem parágrafos e sem pausas para colocar a roupa de molho e jogar logo a água suja na cara de quem me aborreu! Se existe uma coisa que admiro numa pessoa é a sua palavra. E se existe outra coisa que também julgo detestável é falta de palavra! Palavras acariciam e agridem e faço dessa dicotomia o meu grito de guerra. Dicotomias à parte, toda palavra prometida deve ser cumprida ou na impossibilidade, bem justificada! Desgraçado daquele que promete e não cumpre! Todos nós já nos deparamos com esse tipo de gente! O perfil é manjado. São mestres em histórias mal contadas, desculpas esfarrapadas e dissimulações. Essa publicação eu dedico a um sujeito sem caráter que prometeu... Bem, por enquanto prefiro não revelar! Só posso dizer que o seu nome começa com a letra "N"! Alô rei da procrastinação, chega de desculpas seu cara-de-pau e talentoso na arte da enganação! Já reparou que todo enrolão é um bom contador de histórias? Alô "N", pare de inventar desculpas e cumpra sua palavra! Desculpe-mais uma vez ao leitor tradicional, casual ou acidental sobre essa publicação, mas eu tinha que escrever! Era isso o que eu tinha para "lavar" para esse desgraçado. Em tempo, acho que o meu medicamento para labirintite está afetando o meu cérebro! Tenho que terminar para não escrever mais besteira. É melhor eu parar por aqui, despedindo-me no dialeto desse safado: Fui!


Comentário do Blog: Acho que vou apagar! Muito ruim! Ah! Deixa esta m.... assim mesmo!


Janer Cristaldo foi o nosso Voltaire?





Outono de 2016. Sábado ensolarado em Araras-SP.

Nesta manhã de 23 de Abril, visitei o pequeno "Sebo do Neu" que fica na rodoviária de Araras.

Entro, desejo bom dia ao Sr. Neu e inicio meu tradicional garimpo pelas prateleiras. 

Folhear um livro é algo simples e prazeroso! 

Pego um de capa dura chamado "Sobre Heróis e Tumbas" do escritor argentino Ernesto Sábato e percebo que este título não me era estranho. Não exatamente pelo autor, mas simplesmente por seu tradutor! Aliás essa foi a primeira vez que adquiro um livro motivado apenas pelo tradutor! 

Para ter certeza de que se tratava de quem eu estava pensando, viro a capa onde está escrito o valor de R$ 8,00, folheio mais uma página e leio o seguinte: 

Círculo do Livro S.A 
Edição integral 
Título Original: "Sobre héroes y tumbas" 
By Ernesto Sábato 
Tradução: Janer Cristaldo 

Bingo! Confirmado, é este mesmo. Vou levar - pensei 

Antes de pagar, comentei com o Sr. Neu que jamais esperava encontrar esse exemplar citado diversas vezes por Janer Cristaldo em suas excelentes crônicas. 

Para quem não o conheceu, JC foi um escritor, contista, tradutor, etc. nascido em Santana do Livramento em 1947 e falecido em 2014. Escrever sobre Janer em apenas 3 linhas é falta de respeito e apesar de não me sentir capacitado escreverei minhas limitadas impressões ainda nessa publicação. 

Uma das vantagens do Sebo é que encontramos livros inesperados. 

Seria equivalente a gente entrar numa festa sem saber quem foi convidado e ser surpreendido com as pessoas presentes. 

Caso alguém tenha interesse de conhecer um pouco sobre Janer, segue uma amostra de seus escritos no final dessa publicação. 

Esse sulista possuía um humor refinado e escrevia com intensidade e habilidade. 

Ele não tinha "papas na língua" e não se importava nem um pouco com a opinião dos outros. Falava com independência e sem medo! Coisa rara hoje em dia. Precisamos comer!  
J.C escrevia muito e quase todos os dias. Manteve um excelente Blog até o final da vida com conteúdos e pontos de vistas de altíssima qualidade. Por muitos textos o invejei, confesso. Sabia utilizar as palavras como ninguém.

Um dia o escrevi sobre uma dúvida que eu possuía e surpreendentemente ele me respondeu. Ele era bem elitista e eu entendo isso agora que estou mais velho. Guardo seu e-mail resposta como lembrança. 

Cristaldo possuía fortes divergências com o Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo e escrevia publicamente o que pensava sobre esses dois sem nenhuma reserva. 

Janer adorava viajar e dizia que nunca teve carro, pois preferia utilizar seu dinheiro com viagens e livros. 

Eu gostava muito de ler suas crônicas sobre suas viagens porque como eu não tinha (ainda não tenho) recursos para sair do país e então eu "viajava" junto imaginando as suas descrições sobre lugares, restaurantes, vinhos, etc. 

Janer Cristaldo não era o seu nome verdadeiro pois me lembro que um dia ele revelou numa de suas crônicas, mas também não me recordo mais...

Ele era ateu e escrevia muito coisa interessante sobre esse tema, mas detestava a militância ateísta. Possuía profundo conhecimento sobre história, filosofia, história das religiões e odiava marxistas. 

Escrevia de forma intensa com ironia e acidez. Atirava para todos os lados desde política, religião, tradições, costumes, família, etc. e não poupava ninguém.. Para ele nenhum assunto era tabu. 

Era vaidoso também e acho que exagerava quando escrevia sobre suas conquistas amorosas, mas isso é irrelevante diante das pérolas que deixou. 

Possuía grande talento em colocar apelidos em seus desafetos. Para o Lula ele o nominava como o "Supremo Apedeuta". Olavo de Carvalho era chamado de "Aiatolavo". Reinaldo Azevedo tinha o apelido mais curioso e engraçado da história: recórter tucano-papista hidrófobo. O Papa Bento XVI tinha o ótimo apelido de "Pastor Alemão" hehehe 

Eu gostava de seu estilo e de suas indicações de leitura também. Tenho várias anotadas. 

Ele morreu e deixou muita coisa escrita. Homens com essa capacidade não surgem todos os dias. 

Fico contente por ter compartilhado de seu tempo e muitas de suas ideias. 

Arrisco a dizer que Janer Cristaldo foi o nosso Voltaire moderno! 




Seguem alguns links, caso desejem conhecê-lo um pouquinho.

http://cristaldo.blogspot.com.br/2011/06/vigarice-vista-os-gigolos-do-luto-so-ha.html

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/ressentidos.html

http://www.midiasemmascara.org/arquivos/4778-sobre-janer.html

https://www.facebook.com/janer.cristaldo?fref=ts

http://cristaldo.blogspot.com.br/2012/02/sobre-os-cabecas-de-toalha-espanta-ver.html



#4 -Misto-Quente - Charles Bukowski - A primeira página de meu livro



 Livro: Misto-Quente -  Autor: Charles Bukowski

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A primeira coisa de que me lembro é de estar debaixo de alguma coisa. Era uma mesa, eu via uma das pernas de madeira, via as pernas das pessoas e um tanto da toalha que pendia no ar. Era escuro lá embaixo, eu gostava de ficar por ali. Isto deve ter sido na Alemanha. Eu devia ter um ou dois anos de idade. Era 1922. Eu me sentia bem debaixo da mesa. Ninguém parecia saber onde eu estava. A luz do sol escorria sobre o tapete, sobre as pernas das pessoas. A luz do sol me agradava. As pernas das pessoas eram desinteressantes, diferentemente da toalha que pendia da mesa, diferentemente da perna da mesa, da luz do sol. 

Então não havia nada... depois uma árvore de Natal. Velas. Pássaros ornamentais: pássaros com pequenos ramos apinhados de frutinhas em seus bicos. Uma estrela. Duas pessoas enormes lutando, gritando. Pessoas comendo, pessoas sempre comendo. Eu também comia. Minha colher era curva, assim, se eu quisesse comer, precisava pegá-la com a mão direita. Se eu pegasse com a esquerda, o alimento se afastava da minha boca. Eu queria pegar a colher com minha mão esquerda. 

Duas pessoas: uma maior com cabelo crespo, um narigão, uma boca grande, sobrancelhas cerradas; a pessoa maior sempre parecia estar furiosa, quando não aos berros; a pessoa menor era quieta, mais pálida, um rosto redondo com olhos graúdos. Eu tinha medo dos dois. Às vezes, havia uma terceira pessoa, que era gorda e usava vestidos com laço no pescoço. Usava também um broche descomunal e tinha muitas verrugas na face, com pequenos pêlos que delas brotavam. “Emily”, eles a chamavam. Essas pessoas não pareciam felizes em estar juntas. Emily era a avó, a mãe de meu pai. O nome do meu pai era “Henry”. O nome da minha mãe era “Katherine”. Nunca lhes chamava pelo nome. Eu era “Henry Jr.”. Essas pessoas falavam em alemão a maior parte do tempo, assim como eu, no começo. 

A primeira coisa que lembro de ouvir minha avó dizer foi:
 – Enterrarei todos vocês! 

Ela disse isso pela primeira vez logo antes da refeição, e voltaria a repeti-lo por diversas vezes ainda, sempre antes de começarmos a comer. Comer parecia muito importante. Comíamos purê com molho de carne, especialmente aos domingos. Também comíamos rosbife, knockwurst e chucrute, ervilhas, ruibarbo, cenouras, espinafre, feijão-fradinho, galinha, almôndega e espaguete, algumas vezes misturados com ravióli; havia sopas de cebola e de aspargo; e todos os domingos, torta de morango com sorvete de baunilha. No café-da-manhã, tínhamos torradas e salsichas, ou então bolinhos, ou waffles servidos com bacon e ovos mexidos. E sempre havia café. Mas a lembrança mais forte que tenho é dos purês com molho de carne e de minha avó Emily dizendo:

 – Enterrarei todos vocês! 

Ela nos visitava com bastante freqüência depois que nos mudamos para a América, pegando o bonde vermelho que ia de Pasadena a Los Angeles. Só íamos visitá-la muito raramente, a bordo do Ford Modelo-T. 

Eu gostava da casa da minha avó. Era uma casinha rodeada de pimenteiras. Emily mantinha todos os seus canários em gaiolas diferentes. Lembro bem de uma das visitas. Naquela noite ela cobriu as gaiolas com uns panos brancos para que os passarinhos pudessem dormir. As pessoas estavam sentadas e conversavam. Havia um piano, e fui me sentar junto a ele, tocando as teclas e escutando o som que elas produziam enquanto as pessoas seguiam falando. Eu gostava dos sons das teclas, principalmente os das mais agudas, que quase não tinham som nenhum – pareciam cubos de gelo se chocando uns contra os outros.

 – Quer parar com isso? – gritou meu pai.
 – Deixe o garoto tocar o piano – disse minha avó. 

Minha mãe sorriu. – Esse garoto... – disse minha avó –, quando tentei tirá-lo do berço para lhe dar um beijo, ele se levantou e me acertou o nariz! 
Falaram mais um pouco, e eu voltei a tocar o piano.

 – Por que você não afina essa coisa? – perguntou meu pai. 

Então fui avisado de que iríamos ver o meu avô. Meus avós não moravam juntos. Foi-me dito que meu avô era um homem mau, que seu hálito fedia.

 – Por que o hálito dele fede? Ninguém respondeu. 
 – Por que o hálito dele fede?
 – Ele bebe.

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22/04/2016

Amostra de temas futuros do Diário Banal


Ninguém quer saber, mas a título de curiosidade, deixo registrado aqui nesse espaço, o título de vários temas inacabados em minha lista de rascunhos do Diário Banal para divulgá-los assim que finalizados. 

Estou escrevendo-os gradativamente conforme disponibilidade e vontade. 

Não sigo uma sequência tradicional do tipo início, meio e fim e desconfio que essa não seja a melhor técnica de se escrever, mas fazer o quê se gosto dessa forma! 

Hoje consultei a tal lista de rascunhos e constatei que existem mais de 500 em formato de rascunho aguardando o desenvolvimento ou finalização do pensamento. 

Esses assuntos surgem inesperadamente em meu dia banal e quando o momento permite registro em algum papel ou gravo em meu celular para desenvolvimento posterior. Na minha idade se eu não anotar, acabo perdendo-os para sempre e fico muito aborrecido. 

A inspiração não possui lugar e nem horário. Pode aparecer quando estou andando pela cidade, indo para o trabalho, conversando com alguém, observando desconhecidos, dirigindo o meu carro, pensando na vida e até na fila do mercado.

Divulgarei logo abaixo alguns títulos e assim que tiverem formatados dentro da filosofia deste diário, ou seja bem banais, publicarei-os. 
Só não estabeleço datas nem cronograma porque isso aqui é hobby!
Vamos aos títulos em primeira mão:

1 - Homem de palavra
2 - Síndrome de dondoca
3 - Meu vizinho, meu inferno?
4 - Sobre o céu
5 - Cheguei aos 50 anos (esse somente no aniversário!)
6 - Escravos da vaidade
7 - Qual o significado da tatuagem?
8 - Sobre a igreja
9 - Araras para quem não conhece
10 - Vaidade é uma coisa, viadagem é outra
11 - O que é "aproveitar a vida" para você?
12 - Sobre Machado de Assis
13 - A natureza é cega
14 - A gangorra da vida
15 - Lavando burro
16 - Carinha de anjo. Só a carinha!
17 - Urso e bactérias
18 - De dentro do avião
19 - O tombo do arrogante
20 - A vida é um absurdo
21 - Os últimos degraus
22 - Outra morada
23 - Ilha da Gipóia
24 - Amizade
25 - Sonho de ser lixeiro
26 - Somos iguais em quê?
27 - Ex-Pastor
28 - Médico pobre
29 - Por que não pertenço à igreja
30 - Para sempre?
31 - Dourar a pílula
32 - Você é bom em quê?
33 - Vida sem importância
34 - Meus sentimentos! Que sentimentos?
35 - Saudade
36 - Religião dinheiro


Bem, essa é uma amostragem. Se tiverem paciência ou eu não morrer antes, um dia publicarei!

#3 - Lolita - Autor: Vladimir Nabokov - A primeira página de meu livro


 Livro: Lolita -  Autor: Vladimir Nabokov

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Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. 
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. 
Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor do que um assassino para exibir um estilo floreado".
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins - os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.
Nasci em Paris, em 1910. Meu pai, pessoa meiga e tolerante, era uma salada de genes raciais...

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21/04/2016

#2 - Assim Falou Zaratustra - Autor: Friedrich Nietzche - A primeira página de meu livro



Livro: Assim Falou Zaratustra - Um livro para todos e para ninguém - Autor: Friedrich Nietzche


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Aos trinta anos de idade, Zaratustra deixou sua pátria e o lago de sua pátria e foi para as montanhas. Ali gozou de seu espírito e da sua solidão, e durante dez anos não se cansou.
Mas enfim seu coração mudou - e um dia ele se levantou com a aurora, foi para diante do sol e assim falou:
"Ó grande astro! que seria de tua felicidade, se não tivesses aqueles que ilumina?
Há dez anos vens até minha caverna: já te terias saciado de tua luz e dessa jornada, sem mim, minha águia e minha serpente.
Mas nós te esperamos a cada manhã, tomamos do teu supérfluo e por ele te abençoamos.
Olha! Estou farto de minha sabedoria, como a abelha que juntou demasiado mel; necessito de mãos que se entendam.
Quero doar e distribuir, até que os sábios entre os homens voltem a se alegrar de sua e os pobres, de sua riqueza.
Para isso devo baixar à profundeza: como fazes à noite, quando vais para trás do oceano e levas a luz também ao mundo inferior, ó astro abundante!
Devo, assim como tu, declinar, como dizem os homens aos quais desejo ir.
Então me abençoa, ó olho tranquilo, capaz de contemplar sem inveja até mesmo uma felicidade excessiva!
Abençoa a taça que quer transbordar, para que a água dele escorra dourada e por toda parte carregue o brilho do teu enlevo!
Olha! Esta taça quer novamente se esvaziar, e Zaratustra quer novamente se fazer homem."
- Assim começou o declínio de Zaratustra.
Zaratustra desceu sozinho pela montanha, sem deparar com ninguém. Chegando aos bosques, porém, viu subitamente um homem velho, que havia deixado sua cabana sagrada para colher raiíes na floresta. E assim falou o velho a Zaratustra:
 - "Não me é estranho esse andarilho: por aqui passou há muitos anos. Chamava-se Zaratustra; mas está mudado.
Naquele tempo levavas tua cinza para os montes: queres agora levar teu fogo para os vales? Não temes o castigo para o incendiário?
Sim, reconheço Zaratustra. Puro é seu olhar, e sua boca não esconde nenhum nojo. Não caminha ele como um dançarino?
Mudado está Zaratustra. Tornou-se uma criança Zaratustra, um despertado é Zaratustra: que queres agora entre os que dormem?
Vivias na solidão como um mar, e o mar te carregava.
Ai de ti, queres novamente arrastar tu mesmo o teu corpo?"
Respondeu Zaratustra: "Eu amo os homens."
"Por que", disse o santo, fui para o ermo e a floresta?
Não seria por amar demais os homens?
Agora amo a Deus: os homens já não amo. O homem é, para mim, uma coisa demasiado imperfeita, O amor aos homens me mataria.
Respondeu Zaratustra: "Que fiz eu, falando de amor? Trago aos homens uma dádiva."
"Não lhes dês nada", disse o santo. "Tira-lhes algo, isto sim, e carrega-o juntamente com eles - será o melhor para eles: se for bom para ti!
E, querendo lhes dar, não dês mais que uma esmola, deixando ainda que a mendiguem!" 
"Não", respondeu Zaratustra, "não dou esmolas. Não sou pobre o bastante para isso."
O santo riu de Zaratustra, e falou assim: "Então cuida para que recebam teus tesouros! Eles desconfiam dos eremitas e não acreditam que viemos para presentear.
Para eles, nossos passos ecoam solitários demais pelas ruas. E, quando, deitados à noite em suas camas, ouvem um homem a caminhar bem antes de nascer o sol, perguntam a si mesmos: aonde vai esse ladrão?
Não vás para junto dos homens, fica na floresta! Seria até melhor que fosses para junto dos animais! Por que não queres ser, como eu - um urso entre os ursos, um pássaro entre os pássaros?"
"E o que faz o santo na floresta?", perguntou Zaratustra.
Respondeu o santo: "Eu faço canções e as canto, e, quando faço canções, rio, choro e sussurro: assim louvo a Deus.
Cantando, chorando, rindo e sussurrando eu louvo ao deus que é meu Deus. Mas o que trazes de presente?"
Ao ouvir essas palavras, Zaratustra saudou o santo e falou: "Que poderia eu vos dar? Deixai-me partir, para que nada vos tire!" - E assim se despediram um do outro, o idoso e o homem, rindo como riem dois meninos.
Mas, quando Zaratustra se achou só, assim falou para seu coração: "Como será possível? Este velho santo, na sua floresta, ainda não soube que Deus está morto!".

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20/04/2016

#1 - O Estrangeiro - Autor: Albert Camus - A primeira página de meu livro



Livro: O Estrangeiro - Autor: Albert Camus

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Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames." 
Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.
O asilo de velhos fica em Marengo, a oitenta quilômetros de Argel. Vou tomar o ônibus às duas horas e chego ainda à tarde. Assim posso velar o corpo e estar de volta amanhã à noite. Pedi dois dias de licença a meu patrão e, com uma desculpas destas, ele não podia recusar. Mas não estava com um ar muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: "A culpa não é minha."
Não respondeu. Pensei, então, que não devia ter-lhe dito isto. A verdade é que eu nada tinha por que me desculpar. Cabia a ele dar-me pêsames. Com certeza, irá fazê-lo depois de amanhã, quando me vir de luto. Por ora é um pouco como se mamãe não tivesse morrido. Depois do enterro, pelo contrário, será um caso encerrado e tudo passará a revestir-se de um ar mais oficial.
Peguei o ônibus às duas horas. Fazia muito calor.
Como de costume, almocei no restaurante Céleste. Estavam todos com muita pena de mim e Céleste disse-me: "Mãe, só se tem uma." Quando saí, acompanharam-me até a porta. Estava um pouco atordoado porque foi preciso ir à casa de Emmanuel para lhe pedir emprestadas uma braçadeira e uma gravata preta. Ele perdeu o tio há alguns meses.
Corri para não perder o ônibus. Esta pressa, esta corrida, os solavancos, o cheiro da gasolina, a luminosidade da estrada e do céu, tudo isso contribuiu, sem dúvida, para que eu adormecesse. Dormi durante quase todo o trajeto. E quando acordei estava apoiado em um soldado, que sorriu e me perguntou se eu vinha de longe. Respondi "sim" para não ter de falar mais.
O asilo fica a dois quilômetros da aldeia. Fiz o percurso a pé. Quis ver mamãe imediatamente. Mas o porteiro disse-me que eu precisava procurar o diretor. Como ele estava ocupado, esperei um pouco. Durante todo este tempo, o porteiro não parou de falar. Depois o diretor recebeu-me no seu gabinete. É um velhote, que tem a Legião de Honra. Fitou-me com seus olhos claros. Depois apertou-me a mão e conservou-a durante tanto tempo na sua que não sabia mais como retirá-la. Consultou uma pasta e disse-me:
- A Sra. Meursault entrou aqui há três anos. O senhor era o seu único apoio.
- Achei que me estava censurando por alguma coisa e comecei a explicar-lhe. Mas ele me interrompeu:
- Não tem de justificar-se, meu filho.
Estive lendo o dossiê de sua mãe. O senhor não podia prover o seu sustento. Ela precisava de uma enfermeira. O seu ordenado é modesto. , afinal, ela era mais feliz aqui.

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19/04/2016

# Novidade no Diário Banal: A primeira página de meu livro


Tive a ideia de publicar aqui no Diário Banal, os primeiros parágrafos dos livros de minha estante. Eventualmente poderei publicar a página completa, mas não prometo, pois meu tempo precisa ser fatiado entre a família, o trabalho, a casa e a cama, numa rotina incessante até a minha extinção. Caso julgue essa ideia uma grande bobagem? Sem problemas! Aqui é o espaço apropriado para banalidades! 

Existe gente que gosta de futebol, outros de pescaria e um monte de gente que adora tatuagens daquelas bem grandes e coloridas pelo braço e perna! 
Eu prefiro escrever banalidades!

Seja bem-vindo raro leitor, mas adianto que não espere ganhar nada e pelo contrário, esteja preparado para perder o seu tempo precioso. Só não reclame que eu não avisei tá! 

Sempre que entro em livrarias ou sebos, garimpo livros nas estantes examinando a capa, as orelhas, a contracapa e o nome do autor. Feito isso, abro o livro na primeira página para conhecer as primeiras linhas. Alguns autores possuem o dom de nos prender desde o início e por isso a primeira página é tão importante. Representa nosso primeiro contato. É como um cartão de visita.e por isso senti vontade de reproduzir isso aqui no Diário Banal.

Ah! Só mais um detalhe. Não escreverei a resenha ou impressões sobre o livro pois esse não será o objetivo dessas publicações. 



As publicações serão apresentadas livremente, afinal serão muitos títulos na estante aguardando a sua vez de estrear aqui no Diário Banal e não quero ter o trabalho de classificar por ordem de importância ou qualidade. Também não terei o compromisso de publicar diariamente e sem interrupção. Outros assuntos serão incluídos e se o desânimo tomar conta eu interrompo esse tipo de publicação.

Vamos combinar só mais um detalhe antes de iniciar. Para que esse tipo de publicação seja facilmente identificado no Blog colocarei o sinal # chamado cerquilha, seguido do número da publicação para facilitar a busca deste assunto futuramente na caixa de pesquisa, exemplo: #1, #2,#3.

Ofereço esse meu tempo a quem desejar.

Espero que gostem e a primeira edição será publicada somente amanhã. Pretendo evitar a publicação de mais de uma por dia para criar uma certa expectativa (presunção minha) e ficar mais parecido com um diário, para justificar o nome do Blog.




Até amanhã!


18/04/2016

O inimigo do riso


Esse é Axel, o inimigo do riso, com quase 50 anos!
O texto abaixo foi escrito pelo meu amigo Luis Vallejo, professor aposentado, em seu blog Clone Clock e o link encontra-se no final desta página.

A história na verdade se passa quando Axel estava com 19 anos (05/04/1985) e estava iniciando a sua carreira profissional na Nestlé de Barra Mansa-RJ. Ele era muito jovem e tímido e por um lapso do autor, o texto menciona que ele possuía 18 anos, mas esse detalhe é irrelevante. No próximo mês Axel completará 50 anos de idade!

A sala em que a história ocorreu era o Escritório Técnico da extinta fábrica de Iogurtes de Barra Mansa cuja história já escrevi algumas vezes aqui no Diário Banal. Segue um link no final desta página com a publicação de meu último dia naquela unidade.

Uma história que já dura 30 anos! Por isso é legal registrar a vida pois o tempo passa e as palavras permanecem.

Para contextualizar a história revelo o nome real dos  personagens que se apresentam com nomes "artísticos":

  1. Luís Vallejo era o sujeito intelectual da sala e foi através de sua influência,que tive o interesse pela literatura. Maiores detalhes veja o link no final desta página.
  2. Axel é esse sujeito banal que vos escreve com apenas 19 anos na época desse relato.
  3. Hilário era um sujeito chamado Mário Estrela que fora desligado um tempo depois.
  4. Livramento era o Sr. Antônio Nascimento, encarregado do Escritório Técnico.
  5. Serapião era o chefe do setor e seu nome era Sebastião Andrade.
  6. Esmeraldo era o famoso José Geraldo Koenigkan

O Inimigo do Riso

Axel entrou para ocupar o lugar de Hilário, como auxiliar de escritório, subordinado ao Livramento. Com dezoito anos, caladíssimo e preocupado em fazer corretamente o serviço, ficava na sala como uma sombra. Parecia que nem estava ali.

Nosso sala, sempre com alto astral, era muito movimentada, pois a consulta ao arquivo técnico era imperiosa para o bom funcionamento da fábrica. Todos os encarregados de seção, chefetes e alguns funcionários passavam por ela diariamente. Nessa hora, além de assuntos de serviço, saiam também comentários de noticias, política, futebol, mulher e .... piadas.

Sempre que alguém contava uma piada ou um caso jocoso, todos riam, menos Axel, que se abaixava e colocava a cabeça debaixo do tampo de sua mesa. No princípio ninguém notou esse pormenor, mas com o passar do tempo, essa particularidade foi notada e certas pessoas iam ali, para contar piadas velhas, só para ver o coitado, na hora em que todos riam, se jogar para debaixo da mesa.

Depois de algum tempo, quando já tínhamos nos divertido bastante com esse comportamento estranho, Livramento resolveu espremer o garoto.
- Olha aqui, Axel - começou ele, paternalmente - Você é um garoto esforçado, trabalha bem e estou satisfeito com você, que pode contar comigo.
- Sim senhor, obrigado - respondeu Axel, com os olhos baixos
- Mas, tem uma coisa que está preocupando todo mundo - continuou Livramento - É esse seu tique nervoso de colocar a cabeça embaixo do tampo da mesa. Isso é de nascença ?
- Eu não sei do que o Sr. está falando - vacilou Axel
- Vamos ser claros, menino - falou sério Livramento - A fábrica inteira tá sabendo disso e tem gente que tá vindo aqui só prá ver você se comportar dessa maneira estranha. Quando eu achar que isso está atrapalhando o serviço, aí você já sabe... - e fez um gesto de facão cortando.
Axel quase se mijou de medo e começou a gaguejar.
- É que, eu, que..... quando....
Esmeraldo começou a rir do embaraço do rapaz.
- Pega leve, Livramento. O garoto pode ter uma doença...
- Você tem alguma doença nervosa ? - emendou Livramento - Vamos, desembucha já, porque vamos resolver essa situação hoje, agora.
- O Serapião - Axel apontou tremendo para a divisória de vidro que separa a sala do Serapião da nossa - É ordem dele....
- Essa não entendi - respondeu surpreso Livramento - Que ordem é essa? Vamos! Fala!

Axel demorou um pouco, analisou a situação, olhou para a sala de Serapião, que estava vazia, olhou para Livramento, olhou para sua mesa de trabalho e abriu a boca, falando como nunca tínhamos ouvido antes:
- Tá bom, eu falo. Quando o Sr. me escolheu para trabalhar aqui, o Serapião, um dia antes de eu começar, me chamou para uma entrevista, me deu várias instruções e uma delas foi jamais rir durante o expediente. Ele disse que havia várias reclamações sobre risadas nessa sala e que se ele me visse rindo aqui dentro, a qualquer hora, me demitia sumariamente. Como esses caras vêm aqui contar piadas, eu não me agüento e quando tenho que rir, para garantir que o Serapião nunca vai me pegar rindo, escondo a cabeça embaixo da mesa. Tá explicado?

Soltamos uma gargalhada conjunta e Axel se jogou debaixo da mesa, para nos fazer companhia.



Links:

http://cloneclock.blogspot.com.br/2007/11/crnica-industrial.html

http://alexgilrodrigues.blogspot.com.br/2016/03/nestle-barra-mansa-meu-ultimo-dia.html

http://alexgilrodrigues.blogspot.com.br/2016/03/livro-o-mundo-assombrado-pelos-demonios.html