03/05/2014

Você está feliz?

François Marie Arouet (Voltaire) viveu entre os anos 1694 a 1778. Na opinião do pensador francês Roland Barthes, Voltaire foi o último escritor feliz. Ele deve ter sido uma pessoa muito bem humorada, escreveu muitas obras e, entre elas, uma com fina ironia e cinismo, a que deu o nome de “Cândido ou o otimismo“.






Depois da introdução desse grande iluminista, deu vontade de falar um pouquinho sobre felicidade. Um pouquinho não! Vou escrever bastante. Não vou falar de Voltaire. Fica para uma outra oportunidade. O tema é Felicidade.

Quase ninguém conversa sobre isso. A vida segue no modo automático e quem vai perder tempo com um assunto tão sem importância, não é mesmo?


Felicidade é um sentimento desejado, fugaz, relativo, subjetivo... Existem muitas definições e contradições, mas uma coisa é certa: Todos querem ser felizes!





Não existe ninguém no mundo que não procura ou deseja possuir esse sentimento!

Quando eu morava em Barra Mansa, possuía o hábito de ouvir o rádio enquanto me aprontava para ir trabalhar . Existia um radialista, que fazia a seguinte pergunta todos os dias: Ei! Você que está me ouvindo, me responde uma coisa: Você está feliz?

Uma pergunta bem boba pensando bem, mas que escondia uma provocação! Logo cedo, sem rodeios! Minha mente ainda em estado letárgico, aguardando o café ficar pronto para dar uma animada e aquele radialista inconveniente perguntando algo tão pessoal e desagradável! Não queria pensar sobre aquilo. Tinha que trabalhar. E quem trabalha não possui tempo para pensar na existência!

Ironias à parte, o tempo passou e hoje com mais de quarenta anos , ainda me lembro daquela provocação matinal e me pergunto: O que significa mesmo ser feliz?

Tento responder, da minha forma, mas ciente de que cada pessoa percebe e interpreta o mundo de acordo com sua conveniência ou conhecimento.

Quando se pergunta a alguém se ela é feliz, várias respostas são possíveis, conforme a sinceridade ou grau de intimidade.

Normalmente algumas pessoas respondem tão rápido que passam a impressão de que a felicidade é uma obrigação e quem não sente isso, um fracassado! Poucos possuem coragem para assumir que podem estar infelizes em determinada fase da vida.

Acredito que ninguém consegue ser feliz integralmente. O mais apropriado seria “estar feliz” provisoriamente, na melhor das hipóteses. Felicidade é algo que se alcança, mas logo se evapora em virtude das demandas ilimitadas da vida. Não é simplesmente como chegar ao alto de uma montanha e ser feliz para sempre como um conto de fada. A vida é dura e feita de uma sucessão de eventos, preocupações, inseguranças, ansiedades, dificuldades e a lista não tem fim. Objetivos novos pressionam a felicidade momentaneamente alcançada e logo aquele sentimento de contentamento se evapora e reiniciamos a nova busca da chamada “felicidade” em outra direção.

E quando a felicidade depende da infelicidade do outro, podemos chamar isso de também de felicidade? De certa forma sim, pois a “felicidade” do predador é a “infelicidade” da presa, por mais estranho que possa parecer.

E a felicidade do ladrão que rouba o cofre cheio de dinheiro de um aposentado e compra um imóvel? Podemos considerar que ele se encontra feliz por ter tido sucesso? Infelizmente a sua felicidade está associada à tristeza da vítima.

Durante a nossa vida, muitos transmitem sua receita ou caminho da felicidade.

Há aqueles que querem impor o seu trajeto como único e verdadeiro!

Alguns apontam para a montanha mais alta e dizem que para ser feliz, há necessidade de subir, subir, subir até alcançar o cume e depois descer e novamente subir, subir, subir em outra montanha... Semelhante ao trabalho de Sísifo, personagem da mitologia grega, cujo castigo era empurrar uma pedra até o lugar mais alto da montanha, de onde ela rola de volta e ele tem que novamente empurrar a pedra sucessivamente. É a roda da vida representada pela carreira, dinheiro, status, sucesso... Uma eterna busca para alcançar o topo...

Outros apontam a felicidade em outro mundo. Um mundo perfeito, maravilhoso e feliz. É a esperança em outra “vida” com rios de mel e músicas harmoniosas. Um mundo idealizado, sem doenças e sofrimentos. Porém existe um pequeno detalhe. Tem que morrer para ser feliz!!! E aí existe um problema com essa “lógica”, ninguém quer morrer. Outo ponto é que contraditoriamente consideram a vida humana como a mais perfeita “criação” do universo. Acho isso também muito estranho, pois se somos tão perfeitos, porque nossa vida não é o suficiente? Projetam-se outras vidas com tudo aquilo que nos falta ou causa sofrimento. No mínimo um desprezo total pela vida atual...

Há quem diga que a felicidade está no isolamento de um mosteiro ou convento. Uma fuga antecipada da vida. Acredito que não seja uma boa alternativa, embora certo isolamento seja saudável. Isolar dos ruídos, compras, tumulto, trânsito, fumaça, falsidade...

A vida agitada na cidade tem deixado muita gente com a esperança de encontrar a felicidade no meio do mato, longe de tudo. É o “mosteiro” particular de cada um. O problema é que neste campo idealizado não existe segurança. Viver isolado atualmente é tornar-se presa fácil para a bandidagem. Além disso, viciamos com as facilidades da cidade, apesar de todos os seus problemas.



Existe também aquilo que vou chamar de “felicidade de fotografia”, principalmente agora com a facilidade de divulgação pela internet. Duvido que parte dessa felicidade publicada nas redes sociais seja real. Comparando as fotografias da atualidade com aquelas de nossos antepassados, em preto e branco, onde a família se reunia em volta do patriarca e percebemos alguns detalhes interessantes. Antigamente se chamava retrato e os semblantes eram sombrios e os olhares tristes, talvez reflexos de uma vida dura no campo. Hoje se exibe uma alegria contagiante que desconfio se representa mesmo o que parece. Ou seria apenas um truque estético para parecer feliz diante da sociedade? Reconheço também que um sorriso na foto é bem mais atraente para registro, mesmo que não corresponda a realidade.

Existe outro tipo de felicidade saudosa muito comum com a idade avançada, onde as pessoas mais idosas lembram o passado com nostalgia e comparam a situação atual com sua juventude. Quase sempre dirão que eram mais felizes. Supervalorizam o passado e as pequenas alegrias, mas que são percebidas apenas depois que o tempo já passou. Um dia li que na velhice, nosso cérebro realiza uma espécie de filtro e “apaga” eventos negativos e dificuldades vividas! Ainda bem, seria muito triste ficar lembrando todas as tristezas, lutas e decepções...

Poderia continuar falando sobre as mais variadas felicidades e o texto ficaria muito grande. Algumas pessoas mal conseguem terminar de ler uma charge , quanto mais chegar até aqui. Se você conseguiu, parabéns! . Já que chegou, vou escrever sobre mais um pouco. Sabe aquela felicidade percebida apenas quando se perde algo? Exemplos: saúde, emprego, namorada, etc. Somente percebemos a felicidade quando não vivemos mais aquele momento. Às vezes nem éramos tão “felizes” assim, mas a situação em que nos encontramos pode passar a sensação que antes era melhor. É a comparação do ruim com o péssimo. O ruim ainda é melhor do que o péssimo, se é que me entendem... Normalmente quando estamos inseridos num contexto não possuímos uma boa capacidade de avaliação. Basta perder, para percebermos que éramos felizes e não sabíamos.

Como vimos, “felicidade” é uma palavra criada com vários significados e palavras carregam conceitos que raramente paramos para refletir, apesar de usá-la com frequência.

Tem gente que se julga feliz por ter muito amigos. Tem gente que tem amigos e não é feliz.

Tem gente que sonha em ser feliz tendo muito dinheiro para comprar tudo o que desejar. Tem gente que tem muito dinheiro e não é feliz. Não estou fazendo apologia à pobreza, longe de mim. Dinheiro é bom, necessário e adoramos. Existe uma frase que costumo dizer que prefiro ser um rico com saúde a um pobre doente.

Tem gente que sonha em se apaixonar para ser feliz. Há gente que se casou com sua paixão e mesmo assim não é feliz!

Tem gente que sonha em ter um filho e acredita que isso a fará feliz. Há muita gente que possui um filho e não é feliz. E muita gente sem filhos que também não é feliz!

Tem gente que espera a aposentadoria para ser feliz. Há muita gente aposentada e não é feliz!

Tem gente gorda que diz que se fosse magra seria feliz. Há muita gente magra e infeliz!

Tem gente que acredita que a beleza a tornaria feliz. Há muita gente bela e infeliz!

Tem gente que pensa que se fosse promovido seria feliz. Há muita gente promovida e infeliz!

Podemos concluir que alcançar certas coisas na vida não garante a felicidade de ninguém. A felicidade não existe num local ou estado específico. Mas essas coisas são necessárias para nossa sobrevivência/aperfeiçoamento e devem ser buscadas. É assim que evoluímos e sentimos prazer por alcançar cada objetivo aqui e agora, sem fantasias e sonhos impossíveis.

Assim seguimos do berço ao túmulo, cada um empurrando a sua pedra... ou a sua pluma , se preferirem!



Já tinha terminado, mas tenho que escrever mais um pouquinho.

Nietzsche em sua época fez a seguinte pergunta e reproduzo aqui de forma adaptada: Se fosse possível, você teria coragem de viver tudo de novo, aquilo que você já viveu, tim-tim por tim-tim, cada momento de sua vida?

Sua resposta medirá o grau de satisfação de sua vida.

FIM!






Alex Gil em 26/01/2014

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