03/05/2014

Jeremias




Jeremias é um homem. Ele mora sozinho, mas isso é só um detalhe. Muita gente vive assim.

Todo mundo tem medo da solidão. As pessoas crescem rodeadas de gente. Gente por perto não elimina a solidão.

Alguns se refugiam nos anestésicos, outros na arte. Há gente que se refugia no trabalho, na cachaça ou religião.

Há aqueles que criam mundos paralelos. Cada um com sua fuga. Jeremias é um miserável. Mas de miserável o mundo está cheio.

Jeremias é mais um. Isso não tem importância. As asas do galo batem palmas. Interrompem seu sono leve.

Ele é padeiro. Acorda cedo todos os dias. Cesta de vime na bicicleta velha. Hoje é um dia especial para Jeremias. Ele não sabe disso.

Algo singular vai acontecer em sua vida. Isso acontece apenas uma vez na vida de um homem.

Ele arde de febre, mas isso também não é importante. Jeremias precisa levantar.

Senta na cama. Fica olhando para o nada. Seu gato preto cochila no chão vermelho. Enfia os pés grossos no chinelo.

Tiras emendadas com arame. Ergue as mãos para o alto. Levanta e ajeita a bermuda na cintura.

Boceja tão alto que o gato desinteressado abre os olhos. Jeremias se arrasta até o banheiro fedido.

Vira a tramela da porta. Uma pequena pia. A torneira pinga. O espelho quebrado colado na parede.

Resto de sabão em formato de bola. Sem cheiro. A privada entupida, cheia de merda. Cheiro de merda. Claro! Descarga plástica cor de abóbora.

Cordão de varal preso à boia. Um balde de plantão. Toalha encharcada pendurada num prego enferrujado.

Parece pano de chão. No fundo do barraco um pequeno fogão. Um bule de alumínio. Água fervida no coador. Café sem açúcar.

O dinheiro acabou. Jeremias espera uma vida melhor. Acredita na eternidade. Um local muito bonito com banheiro limpo. Privada e descarga automática.

Cheiro de eucalipto. Água cristalina na torneira. Papel higiênico macio. Rios de mel. Ruas com pedras preciosas.

Leão com a boca arreganhada brincando com as crianças. Som de harpas o dia inteiro. A febre aumenta. A coluna dói.

A surpresa virá no final do dia. Mas isso também não é importante.


Tenho que interromper a história. Preciso fazer algo importante. A vida de Jeremias não é importante...


Escrita livre com muitas frases, muitos pontos e poucas vírgulas, por Alex Gil em 15/03/2014 em sua fuga predileta.

Escrito por Alex Gil em 15/03/2014

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