03/05/2014

Carisma. O outro lado da moeda. Parte 2





A publicação anterior (Parte 1) tratou de uma perspectiva bem superficial sobre o paradoxo do carisma de um jovem “sem carisma”, sem entrar no mérito do pano de fundo do ambiente que este jovem criminoso encontrou na ocasião.

Recebi através de e-mail, uma análise perspicaz e abrangente de Luis Vallejo sobre as condições da época. Com a sua devida autorização publico abaixo. O texto é longo, mas muito interessante para quem se interessa por história. É interessante aprendermos como funciona as táticas de manipulação aplicadas num povo desinformado e preguiçoso para o conhecimento e leitura.


Alex,

Até os 24 anos poucas pessoas têm alguma fama ou história de vida que possam ser alvos de avaliação. Somente jogadores de futebol (desportistas) e artistas de cinema e tv estão nesse caso. Portanto nada a estranhar se a juventude de Hitler foi medíocre. Aliás, ele ERA medíocre, com o dom da oratória. Seu carisma foi artificial - algo criado pela propaganda - e impulsionado por uma série de fatores que agiram sinergicamente no sentido de torná-lo líder.

O principal fator é o POVO, que sempre possuiu a incrível tendência em ser enganado sem perceber e ainda acreditar que não está sendo enganado e que sempre toma atitudes certas.

Hitler se alistou na 1ª Guerra e servia como cabo quando a Alemanha se rendeu, de repente, em 11/11/1918. O que ninguém fala é que havia uma enorme probabilidade dela sair vitoriosa do conflito, mas os burocratas e diplomatas assinaram a rendição. Os que estavam no front ficaram indignados e, depois que souberam das condições da rendição, explodiram de ódio, pois as multas impostas a Alemanha arrasariam com sua economia. Como de fato arrasou. Os soldados alemães ao voltarem da guerra humilhados encontraram seu país no caos político e econômico. O tratado de Versailles, que pôs fim à guerra, fez com que a Alemanha perdesse vastos territórios e impôs multas que o governo praticamente não poderia arcar.

A Alemanha tinha entrado numa democracia e foram criados dezenas de partidos. Em meados de 1925 eram 30. A URSS exportava judeus comunistas que estavam agitando todo o país. A propaganda russa se espalhava pela Europa, mostrando que aquele tipo de regime era o futuro.

Em 1919, em Munique, os soldados voltando da guerra encontraram suas famílias passando fome - milhões estavam famintos e milhares morrendo de gripe e tuberculose. O governo democrático estava infiltrado de comunistas e judeus e os soldados achavam que eles tinham sido traídos por tais grupos.

Diante de tal situação, 18 meses depois do golpe comunista na Rússia, em Munique os comunistas alemães criaram a Raterepublik, ou Republica Soviética de Munique. O governo mandou o exército contra eles, o qual foi ajudado por um grupo chamado Freikorps, formado por mercenários de direita armados e violentos.

No conflito morreram mais de 500 pessoas, o exército desmontou o movimento e o líder comunista da Raterepublik foi fuzilado. Ele era judeu. E os oito maiores mandatários da Raterepublik, também. A ligação entre o judaísmo e o bolchevismo ficou então determinada na mente do povo alemão, bem como a tentativa de se criar pela força uma república soviética dentro da Alemanha. Isso ajudou a disseminar o ódio aos judeus por toda a Alemanha. Os alemães constataram que o comunismo era o mesmo que o caos e aplaudiram quando eles foram derrotados.

Dos vários partidos criados havia um, inexpressivo e pequeno, o Nazi - o PT de lá - partido socialista dos trabalhadores alemães. O exército, que o conhecia por ser bom orador, não deu baixa a Hitler e o colocou como agente espião para vigiar os partidos, inclusive os Nazistas.

Em 1920, Hitler, na Baviera, que ao espionar o Nazi gostou muito de seu programa, abandona a tarefa de espião e se filia ao Nazi, como número de 555. Mas na verdade era 55. Os filiados começavam a ser numerados pelo número 501, para assim parecer que o partido tinha muitos membros.

Dentro do partido Hitler se impôs por sua oratória inflamada, gritante e cheia de gesticulação. Seus discursos sempre giravam sobre os seguintes pontos:

- houve traição com a assinatura da paz e os governantes eram criminosos

- o regime democrático não presta

- os judeus e comunistas eram os culpados por todo o caos na Alemanha

- os nazistas eram a solução para salvar o país.

- o nazismo se pautava pela ordem, disciplina, rigor e trabalho, sendo inimigo da anarquia que os comunistas queriam implantar.

Enquanto isso a fome, o desemprego e a inflação se espalhavam rapidamente. No começo da década de 20, um pão com linguiça custava 4 bilhões de reichmark. Aproveitando essa situação calamitosa, o Nazi arrebanha toda espécie de gente e Hitler apoiado por pessoas de baixa instrução e cultura, consegue dominar o partido. Por exemplo, o futuro todo poderoso chefe da SS, Heinrich Himmler, era um caipira, simples criador de frangos no interior que se filiou ao nazi e apoiou fanaticamente Hitler.

Em 1923, além da situação desesperadora que a população passava, a França resolve invadir a Alemanha para cobrar as multas atrasadas. Os soldados franceses andavam pelas ruas das cidades de chicote, açoitando a população pelas calçadas. Isso aumentou mais o ódio da população. Hitler tentou então, em 1924, dar um golpe de estado, mas foi preso e condenado a 9 meses de prisão. Foi na cadeia que escreveu “Mein Kampf”. 

O governo alemão conseguiu então empréstimos enormes com os americanos, pode pagar as multas e com o trabalho de empresários, banqueiros e de toda a população, em 1925 conseguiu derrubar a inflação a apenas 10%. Então a Alemanha entrou numa fase de prosperidade.

Como numa sociedade capitalista, os ricos e as pessoas das grandes cidades melhoraram de vida e começaram a se divertir e gastar dinheiro com consumo. Apareceram então diversas correntes, principalmente de jovens, que pregavam o retorno a uma vida simples e sem luxos.

Esses movimentos tinham a matéria prima que os políticos adoram cultivar: os jovens. Impulsivos, cheios de energia e ....ignorantes pensando que sabem tudo. Uma perfeita massa de manobra que o nazi e os comunistas logo arrebanharam.

Os nazistas criam então sua tropa de choque armada, os camisas marrons, formado principalmente por jovens. O nazismo e o comunismo pregam, e são apoiados pela imensa maioria do povo, uma mudança de regime com o fim da democracia. É célebre o discurso de Hitler quando ele diz “que existem pessoas que dizem que eles (os nazistas) são radicais e querem o fim da democracia. Temos 30 partidos e isso não passa de uma bagunça inaceitável. Eles dizem que, se eu assumir o poder não vou tratar com nenhum partido para governar. Dizem que vou acabar com esses partidos. Vocês querem saber de uma coisa? Eles estão absolutamente certos”

Mas mesmo assim, nas intermináveis eleições que aconteciam, os nazistas, em 1928, receberam apenas 2,8% dos votos. Quase nada. E seria um partido destinado a desaparecer se o mundo não desse uma virada. Em 1929 houve uma queda nos preços agrícolas e os fazendeiros alemães foram à falência. A pobreza nos campos se espalhou e o país começou a declinar. Mas, logo depois veio o crack das bolsa americana, em 1930, derrubando a economia mundial. Os americanos em crise cobraram os empréstimos feitos à Alemanha e o país caiu num poço sem fundo.

Em 1931 havia 5,5 milhões de desempregados. A fome se generalizou. As pessoas andavam com uma colher no bolso, perambulando a procura de um prato de comida. A Alemanha se tornou o país mais descapitalizado do mundo. Os seus 5 maiores bancos faliram. Vinte mil empresas fecharam.

No meio disso, os nazistas e comunistas se aproveitam. Agora, sem qualquer perspectiva, sem dinheiro, sem trabalho, sem comida, com doenças e fome os alemães se voltam para quem lhes está prometendo uma esperança. E o orador que mais convence é Hitler. O povo não tem mais nada a perder e aposta nele e em suas promessas.

Em 1932, os nazistas recebem 32% dos votos e os comunistas 25%. São os mais votados e o governo têm que aceitar Hitler, que logo exige ser nomeado Chanceler (primeiro-ministro).

O presidente Hindenburg, é contra, mas começa a sofrer pressões de todos os lados: os empresários, confiando na promessa de rigor, ordem e disciplina e principalmente no combate ao comunismo, são os primeiros a pressionar a favor de Hitler. Vários segmentos da sociedade, querendo acabar com o nefasto regime democrático, mas também se ver livre do comunismo, apostam no nazismo. Finalmente o exército enviou um estudo ao presidente onde relatava que se houvesse um conflito, ele não poderia conter o nazismo e o comunismo de uma só vez. Diante disso, e achando que os outros ministros de índole mais pacificadora controlariam Hitler, em 30/01/1933, Hindeburg o nomeia Chanceler da Alemanha. O resto a história conta.

Luis Vallejo - 07/02/14

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