03/05/2014

A criação do Jardim de Rubião e Lucy


Joshua é um escritor e está sentado em frente à sua máquina de escrever tomando um vinho.

Ele planeja criar sua obra prima.







Por enquanto existe apenas um projeto em sua mente.
Joshua é perfeccionista.
Ele pensa em criar um ambiente muito especial, isento de sofrimentos, dores, desejos, preocupações e inseguranças.

Joshua é um sujeito utópico!!!

A folha de papel permanece em branco. A primeira frase ainda não foi escrita.

O projeto ainda está sendo elaborado na mente de nosso escritor.

A princípio, o plano é que o personagem não tenha liberdade de conduzir a sua vida.

O autor pensa em não dar autonomia ao seu personagem.

Joshua continua planejando sua estória.

Todos os detalhes devem ser previstos.

Nenhuma ação será executada sem a sua deliberação, pois quando se cria um personagem sabe-se exatamente do que ele é capaz e o seu destino.

Nenhuma surpresa, pois o dono da estória estabelecerá o início, meio e fim.

Seu personagem se chamará Rubião e será um homem totalmente submisso. Assim é criada a primeira regra.

A janela do seu quarto está aberta. Passa de uma hora da manhã. O universo está silencioso e a lua prateada brilha solitária no céu.

Joshua repousa suas mãos nas teclas e finalmente inicia a criação pelo ambiente.






Trata-se de uma imensa área verde com árvores frutíferas e muitas ervas. A parte baixa é cortada por um rio, com as margens contornadas por pedras alvas e areias limpas. O céu é azul e a temperatura constantemente agradável.

Todas as espécies convivem harmoniosamente e nenhum animal se alimenta do outro. A cadeia alimentar não foi estabelecida. Não existe a luta pela sobrevivência.

No alto de uma colina, Joshua cria uma planta mágica e aromática e dá o nome de manjericão.

Após isso, cria a segunda regra: Rubião poderá experimentar qualquer de tudo plantado no jardim, menos o manjericão.

Se Rubião provar desta planta terá acesso ao CONHECIMENTO.

Joshua não quer isso ao seu personagem.

Rubião deverá permanecer IGNORANTE. (Então porque coloquei essa maldita planta no ambiente? Seria mais fácil não oferecer essa possibilidade? – pensa Joshua).

Lembre-se de que qualquer rumo que a estória de Rubião tome, tudo estará sob controle, pois nada lhe escapará. Ele é responsável por tudo.

O ambiente está pronto. O palco está preparado.

Rubião é o primeiro habitante de seu Jardim. Foi criado adulto e ignorante. Mas já sabe falar fluentemente (Nada mal para um ignorante, apesar de não ter sido alfabetizado).



Suas primeiras palavras não foram papai e mamãe. Como num passe de mágica Rubião fala conforme determinado por Joshua. Passe de mágica não! Joshua o criou dessa forma.

Joshua é capaz de tudo, até jogar fora o papel da máquina de escrever e desistir da estória, se desejar.

Joshua estava muito feliz com sua criação e Rubião vivia sorridente. Até os animais viviam felizes e todo o jardim era só felicidade. Poderia ficar assim eternamente, mas Joshua resolveu criar mais um personagem com poderes especiais para interagir com Rubião: um papagaio.


Joshua dá-lhe o poder da fala. (Por quê? Porque sim). Ele escolheu o papagaio e ponto. O papagaio era o único animal que podia falar com Rubião. Porém Rubião não tinha assunto. Não tinha passado e não tinha história para contar. Rubião era daquele tipo que você inicia um assunto e o assunto morre. Ele fica apenas te olhando. O papagaio puxa assunto e Rubião não consegue manter ou prolongar o tema. O motivo disso não era má vontade de Rubião. Era falta de CONHECIMENTO. Lembre-se que Rubião era IGNORANTE e isso só podia ser resolvido com a ingestão do chá de manjericão, que significava desobedecer a uma regra criada por Joshua. Rubião além de ignorante era preguiçoso também e não lhe deu um nome. Chamou-o simplesmente de papagaio.

O papagaio gostava de mascar as folhas de manjericão e isso lhe dava um poder diferenciado com relação aos outros animais.

O papagaio queria conversar mas Rubião ficava em silêncio. Felicidade para alguns é ficar com a boca fechada. Para o papagaio era falar, falar e falar...

Aliás, Joshua teve outra ideia depois de criar o papagaio. Vai criar também a mulher. Normalmente as mulheres falam. E como falam.

Joshua pretende criar uma mulher para Rubião.

Rubião caiu em sono profundo. Enquanto ele dormia, Joshua criou uma obra prima. Uma mulher muito atraente, longos cabelos, boca carnuda, olhos graciosos, andar insinuante, sem pêlos e contornos harmoniosos.

Chamar-te-á Lucy e será a companheira de Rubião. Esse nome foi escolhido por Joshua porque a capacidade criativa de Rubião não era desenvolvida.





Lucy e Rubião viviam felizes, sem vergonha e em paz pelo grande jardim. Um dia o papagaio, o mais ladino dentre os animais se aproximou de Lucy e a perguntou se ela poderia experimentar qualquer planta do jardim. – Claro, respondeu Lucy, podemos comer tudo, exceto o manjericão. Se comermos deste, morreremos. (Ela nunca viu a morte mas falava dela!)

— Claro que não, retrucou o papagaio. Se experimentarem o chá de manjericão, serás mais inteligente que Rubião e mais fogosa do que és. (O papagaio era sedutor e tinha boa lábia). Lucy ajeitou seus cabelos longos na nuca, passou sua língua quente em seus lábios e fitou cobiçosamente aquela planta aparentemente inofensiva.

Subitamente um calor irradiou por todo seu corpo nu e sua boca entreaberta salivava de vontade de experimentar aquela planta proibida.

Joshua nesse momento pára imediatamente de teclar sua máquina de escrever e se dá conta que escolher o manjericão para servir de planta proibida não foi uma escolha inteligente. Sua estória ficaria inconsistente. Sua intenção inicial era criar algo perfeito, utópico, mas isso também não teria graça.

Com o tempo se entediaria...

Outro ponto, manjericão é horrivel como chá e nem dá frutos. Decididamente não houve um bom planejamento de sua estória.

Joshua desejava que Lucy experimentasse a sua planta favorita, induzida pelo papagaio para posteriormente expulsá-los do jardim, inclusive tinha um plano de carreira para o papagaio com a continuidade de sua estória: encher o saco de sua criação para sempre...

Se continuasse pensava em exterminá-los num complicado plano que envolvia chuvas torrenciais e a construção de um grande navio de madeira, coleta de ursos polares no Polo Norte, pinguins no Polo Sul, barata macho e barata fêmea. Espremer um casal de cada animal em um barquinho, inclusive dinossauros e indefesas ovelhinhas...

Ao invés de continuar a estória com seus personagens ingratos, complicados, insatisfeitos, inseguros e entediados com direito a expulsão, retirou a folha de papel de sua máquina, juntou com todos as outras que havia escrito, rasgou-as e jogou na lata de lixo.

Isso o poupou de aborrecimento, trabalho e ingratidão.

Joshua fechou as janelas para impedir que a fria brisa invadisse seu quarto e ao invés de postar um Querubim com uma espada flamejante, para guardar a entrada de sua casa contra ladrões, ligou o alarme de sua casa. Estava perdendo seu tempo precioso escrevendo essa bobagem!

Tomou seu último copo de vinho e adormeceu.

Sonhou com Lucy...

Fim


Nota: Se você achou essa estória estranha e incoerente, lembre-se que existe uma outra contada de outra forma há muito tempo e quase ninguém a considera dessa forma.


Elaborado por Alex Gil Rodrigues no feriado prolongado de 18 de Abril de 2014.

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