11/05/2014

Nasci escravo.


Caro leitor, segue uma redação que elaborei no período colegial e adaptei atualmente para apresentação no Blog.




Nasci escravo.  Meu corpo pertence ao senhor do engenho há 34 anos.

Nunca tive liberdade e nem sei o que faria se a tivesse. Sou como um pássaro criado entre arames verticais, que nem sabe como é viver livre e recebe sua quantidade de ração diária para sobreviver. Não tenho alegria, mas tenho esperanças. Sempre vivi com pouco. Pouco carinho, roupa, comida e atenção. 

O tempo não me pertence.

Acordo cedo, por volta das 5:00 h e lavo meu rosto cansado numa bacia de alumínio toda amassada. Ponho meus pés descalços no piso frio e úmido da senzala e recomeço meu dia. Tenho várias atividades para cumprir.

O céu ainda é escuro e a neblina domina toda a paisagem. Os pássaros ainda nem saíram de seus ninhos. Pego meu banco de madeira, uma lata para guardar o leite, um balde com água limpa e uma grande caneca. Caminho lentamente até chegar ao curral. O frio é intenso e não tenho roupas de frio para me proteger. Ainda não tomei café e a minha barriga geme.
As vacas estão acordadas me esperando retirar o seu leite.
Amarro a corda em suas patas traseiras e lavo as tetas com água limpa.
Aperto com as duas mãos o líquido branco, quente e espumante desce até a lata. O cheiro é bom. Pego a caneca meio trêmulo devido à fraqueza e tomo de uma só vez. O sabor é agradável e cala minha barriga. A fome dá uma trégua. Consigo a energia que preciso para trabalhar.
A lata está cheia de leite. Levo com bastante cuidado até a casa do meu senhor. A família ainda não acordou. Minha irmã é cozinheira de meu senhor. Entrego o leite para ferver no fogão a lenha. O cheiro é bom. Acho que ela faz uma broa para o patrão.
Volto para o meu trabalho. O sol aparece e brilha as gotas de orvalho. Procuro minha enxada que me acompanha desde jovem. Foi meu presente de Natal de 15 anos. 

Minha enxada é meu brinquedo. Começo a capinar para esquecer minha vida desgraçada. A área é muito grande e começo logo para esquecer-me da vida. Capino a manhã inteira imaginando comer o pedaço de bolo que minha irmã fez para meu patrão. Minha boca enche de saliva. As horas passam, mas não tenho relógio. Meu relógio é o sol. Quando se encontra encima de minha cabeça é hora de comer alguma coisa. Não existem frutas para comer na plantação. O terreno é seco. Minha barriga não para de gemer e volto logo para a senzala. Não sobrou comida para mim. No fundo da panela preta um resto de mingau de fubá. Meu corpo está fraco e molhado de suor.  Tomo aquele líquido na esperança de fazer a dor sumir. Acostumo com a fome e minha irmã não aparece. A agonia aumenta e o patrão grita pra eu voltar. Olho para ele com tristeza. Ele arrota de satisfação. Tenho inveja dele. Queria poder comer um prato cheio. Minha boca se enche de saliva. Ele joga um osso para o cachorro. Ai que vontade de ser um cachorro. Não tenho mais esperança, mas no céu serei feliz!

Meu patrão me prometeu uma surra se eu não voltar. Pego minha enxada e volto de cabeça baixa. Não tenho ânimo. Estou fraco. Tenho a tarde inteira para trabalhar.
Recomeço mas não tenho forças. Fico imaginando um prato de comida.
Capino a tarde toda.

A noite chega e volto para a senzala. Chamo minha irmã e falo que estou muito fraco. Ela me traz dois milhos cozidos. Comi feito um animal. Até o sabugo estava saboroso.
Minha fome dá um tempo. Meu corpo está cansado.
Encho um balde de água e lavo meu corpo. Não tenho sabão. Seco meu corpo ao vento.

É noite de céu estrelado. Deito no chão ao ar livre e fico olhando para as estrelas.
Minha vista está cansada. Estou sem forças para me levantar. Durmo no chão duro e o vento da noite me relaxa. O som dos insetos me conforta. A noite poderia durar uma eternidade. Não tenho futuro e a pior coisa que pode ocorrer com um homem é não ter opção.

Sinto-me cansado e adormeço.




Elaborado por Alex Gil 

2 comentários:

  1. Ah! Se todos os nossos irmãos que sofreram a escravidão pudessem falar, ou tivessem oportunidade de lamentar, certamente teriam dito tudo isso que você escreveu. Muito bonito! Gostei.

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