22/07/2014

Ô de casa

Hoje não estou inspirado e para não perder o contato com as letras, vou divulgar um livro de Alberto Villas, que se chama Admirável Mundo Velho. 

Garimpei esse livrinho no Sebo Dr. Anselmo, em Araras-SP e recomendo pois existem muitas histórias simples e agradáveis como um café bem quentinho.


Acredito que a breve história abaixo agradará particularmente àqueles que já viveram no interior.

Espero que gostem!

Ô de casa!
Bastava bater palmas que o cachorro latia, como se uma coisa estivesse ligada a outra. Batíamos porque muitas casas do interior não tinham campainha e a única forma de chamar o dono era o pá-pá-pá.
Viajávamos muito para o interior de Minas Gerais. Ouro Preto, Ouro Fino, Ponte Nova, São Lourenço, Passa Quatro, Caxambu.
Em todas as cidades o meu pai tinha um amigo, um parente, uma pessoa a quem ele devia uma visita.
- Estou devendo uma visita a Zezé Santana! - dizia ele quando via a placa de bem-vindo a Ponte Nova.
As pessoas visitavam os outros sem avisar com antecedência. Chegavam assim, de repente, e batiam palmas. As casas ficavam lá no fundo e, quando o cachorro latia, lá vinha o dono, surpreso com a surpresa.
 - Quanto tempo! Mas que surpresa!
Sim, chegávamos de repente e muitas vezes pouco antes da hora do almoço.
Entrávamos naquelas casas simples e, depois de elogios aos filhos que não paravam de crescer, vinha o convite para o almoço. Botavam água no feijão, reforçavam o angu e catavam uma galinha no quintal, que ia direto pra panela. Aquele cheiro de molho pardo ia tomando conta do ambiente entre um papo e outro.
 - O almoço está na mesa!
Eram mesas de madeira rústica com toalhas xadrezes, vermelhas, azuis ou amarelas. Os pratos eram colorex, os copos de vidros, os garfos de alumínio e os guardanapos de pano.
A comida saía fumegando do fogão a lenha direto para a mesa.
 - Não repare, não!
E não reparávamos mesmo. A comida servida era a mais deliciosa do mundo. Depois vinha a goiabada com queijo, o cafezinho com uma pedrinha de rapadura dentro para adoçar.
 - Comida no papinho, pé no caminho!
Entrávamos no caro e pagávamos a estrada de novo, porque sempre tínhamos muito chão pela frente, muita poeira para engolir. A próxima parada seria no final da tarde e a sinfonia era sempre a mesma.
Palmas. Cachorro latindo. Mas, antes de colocar os pés dentro da casa de qualquer amigo, o meu pai costumava anunciar:

- Ô de casa!

Garimpado por Alex Gil Rodrigues numa noite sem inspiração de 22/07/2014

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