Sou um viciado e gostaria de contar a minha história.
Solicito que não se apiedem de mim pois sou o maior responsável pelas minhas
escolhas. Rogo também que não me indiquem tratamento, clínica ou igreja pois sou
feliz apesar dos "efeitos colaterais".
Tudo começou muito rápido. Eu nem era tão jovem e um amigo
me ofereceu para experimentar. Não me cobrou nada e como todos sabem, a
primeira vez é oferecida como cortesia. Essa é a estratégia adotada para a porta do
vício se abrir.
Aceitei por livre e espontânea vontade. Ele me disse que se
eu experimentasse teria muito prazer e veria a vida de outra forma. Movido pela
curiosidade resolvi aceitar.
Em minha casa, ninguém nunca consumiu esse produto. Fui o
primeiro a ter esse contato.
Pequei o pacote e levei secretamente para a minha casa.
Esperei todo mundo dormir para poder mexer naquele embrulho
com tranquilidade e privacidade.
Escondi-o debaixo de minha cama para utilizar depois que
todo mundo estivesse dormindo.
Passava da meia noite quando fui até à cozinha tomar um copo
d´água para certificar se todos estavam dormindo. A casa estava silenciosa.
Voltei para o quarto na ponta dos pés, fechei a porta, liguei o abajur e
estiquei o braço para alcançar a sacola plástica. Abri cuidadosamente e
surpresa!!!
Peguei o meu primeiro livro com as duas mãos e cheirei-o.
Tinha um aroma envelhecido. Passei os dedos e percebi a sua
textura lisa e folhas um pouco amareladas. Examinei a capa, o número de
páginas, o nome do autor e finalmente comecei a usar aquele negócio.
Li quase a noite inteira e só interrompi porque tinha que
acordar cedo para trabalhar.
Antes disso eu não era viciado e essa foi a porta de entrada
para o vício.
Aquela leitura me perturbou e acordei doido para continuar
até o final. A medida que lia, muitos pensamentos e questionamentos foram
surgindo e minha vontade de entrar naquele mundo crescia cada vez mais.
Com o tempo e meu vício foi aumentando. Usava no banheiro,
no carro, na cama, na casa de parentes, na sala de espera do dentista, na fila
do banco e em qualquer lugar. Não tinha mais jeito. Onde existia um tempo
disponível, havia um livro junto.
Comecei a frequentar sebos e livrarias, lugares tipicamente
frequentados por viciados para manter contato com aquele meio. Nas estantes,
centenas de "traficantes" com suas ideias revolucionárias e
provocadoras.
Havia todo tipo de droga nas prateleiras. No início a minha
preferência era por história, depois comecei a usar filosofia, ciência,
romance, astronomia, biografia, história...
Os caminhos dos vícios são tortuosos, progressivos e com o
tempo você quer mais e mais.
A literatura, além de me dar muito prazer e euforia, causou-me outro efeito colateral: comecei a pensar muito e, pior do que isso,
pensar diferente e questionar tudo.
A vida estava tão ordenada e equilibrada. Tudo se encaixava
tão bonitinho.
Depois veio a filosofia e jogou no chão todos os conceitos
aprendidos e tudo que mamãe, o padre e o pastor ensinavam. Havia uma hipocrisia
no ar e comecei a desconfiar de todo aquele pensamento predominante e comecei a
duvidar de tudo. Tornei-me um cético.
Esse modo de pensar tem me causado alguns problemas porque
me tornei um sujeito "fora da bolha", para utilizar um termo desse
meu amigo que emprestou a minha primeira "droga".
Hoje tenho a segurança de que não quero me curar desse
vício. A diferença desta para outros alucinógenos convencionais, e que me
aproximei mais da realidade e afastei-me das ilusões reconfortantes.
Hoje sofro de realidade, é verdade, mas prefiro assim. Se
bem que isso não é sofrimento. É maturidade e independência de ilusões
reconfortantes.
Ultimamente estou misturando a literatura e a música.
Confesso que é o maior "barato", pois dá muita paz, prazer e
liberdade.
Bem gente, fico por aqui e posteriormente escreverei
divulgarei algumas "drogas" interessantes, caso tenham interesse.
Elaborado por Alex Gil Rodrigues em 24/12/2015
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