Na manhã de 1ª de novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, Lisboa foi cenário de uma das maiores tragédias da história. Um terremoto seguido por tsunami e incêndios deixou milhares de mortos e igrejas destruídas no extremamente devoto Reino de Portugal, ironia que impactou o pensamento da época. A devastação da cidade, antes de traçado medieval, também possibilitou o nascimento do desenho atual das ruas da capital portuguesa.
Poucas catástrofes geológicas geraram tantas indagações e lançaram tantas dúvidas no homem moderno como ocorreu com o trágico terremoto de Lisboa de 1755. O mundo católico estarreceu-se porque a capital do Reino de Portugal era uma das cidades mais beatas que se conhecia. Não havia lisboeta que não deixasse encomendado junto à sua paróquia, para depois da sua morte, uma infinidade de missas e solicitações de velas acesas para a sua alma, para que descansasse em paz. Todas, missas e velas, quase sempre pagas antecipadamente. Porém nada disso adiantou.
Com a catástrofe portuguesa, Voltaire viu ruir todas as suas concepções do Mundo vigentes à época. Esse fenômeno jamais poderia ter ocorrido se a Terra fosse, como até esse momento se acreditava cegamente, uma mera criação divina, regulada pelos princípios de ordem e harmonia.
Voltaire manifestou sua desilusão através de um texto bem ácido, veja:
Ó infelizes mortais, ó terra deplorável.
Ó ajuntamento assustador de seres humanos! Eterna diversão de inúteis dores!
Filósofos alienados que proclamam: — tudo vai bem. Venham contemplar essas ruínas horrendas, esses destroços, esses farrapos, essas cinzas malditas, essas mulheres e essas crianças amontoadas sob mármores partidos, seus membros espalhados.
Cem mil desafortunados que a terra devora, que sangrando, dilacerados, e ainda palpitando, enterrados sob seus tetos, sucumbem sem socorro, no horror de tormentas findando seus dias!
Diante dos gritos de suas vozes moribundas, do horror de suas cinzas ainda crepitantes, vocês dirão: é a consequência de leis eternas que um Deus livre e bom resolveu aplicar?!
Vocês dirão, vendo esse amontoado de vítimas: Deus vingou-se, e a morte deles é o preço de seus crimes?!
Que crime, que falta cometeram essas crianças esmagadas e sangrentas sobre o seio materno? Lisboa, que não mais existe, teria mais vícios que Londres, que Paris, submersas em delícias?
Lisboa está destruída e dança-se em Paris.
Espectadores tranquilos, intrépidos espíritos, contemplando a desgraça desses moribundos, vocês procuram — em paz — as causas do desastre: Tudo vai bem — dizem vocês — e tudo é necessário.
Por acaso o universo, sem esse abismo infernal, sem submergir Lisboa, estava sendo pior?
Esse Voltaire possuía a língua afiadíssima. Mal comparando, pois a distância é imensa, era uma espécie de Jair Bolsonaro das letras, escrevia o que pensava. Ai que inveja!
Publicado por Alex Gil Rodrigues em 22/09/2015
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