Pessoal, hoje vou escrever sobre um livrinho perturbador chamado "Palavras Cínicas" com apenas 93 páginas e escrito pelo português Albino Forjaz de Sampaio.
Provavelmente você nunca ouviu falar dele. Aliás pouca gente no Brasil teve acesso à sua obra. Foi publicado pela primeira vez em 1905 pelo então jovem autor desconhecido que começou sua carreira literária com apenas 16 anos. Suas frases ácidas e provocativas o tornou famoso em sua época. O impacto deste livro, escrito num estilo pessimista e blasfemo também lhe rendeu muitas críticas. Fez tanto sucesso que saíram 46 reedições. Não é leitura para qualquer pessoa. Pessoas extremamente sensíveis ou almas religiosas podem chocar-se com as suas blasfêmias e a linguagem crua, mas qualquer pessoa de bom senso se perguntará se o autor acreditou de fato naquilo que escreveu. Para mim isso tudo é apenas literatura. Provavelmente não era sua filosofia de vida, pois ele não se matou e morreu com 65 anos.
Eu o descobri casualmente num sebo e o comprei por apenas R$ 10,00. É impossível lê-lo e ficar indiferente à sua escrita. É um estilo "Bolsonaro" da literatura, se é que me entendem. Não tem mimimi nem meias palavras! É um tiro no saco!
Descontando-se alguns exageros há que reconhecermos muitas verdades espalhadas pela sua obra.
Abaixo, alguns recortes das oito cartas que compõem o livro:
Se as leres no meio dum festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar...
"...De que te hei de falar? Da vida?
A vida é a escola do cinismo. Trazes coração? Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta. Se acaso és bom - tolice - não venhas. Aqui, para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso que rias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga.
A satisfação de ver agonizar um canalha, quer ele seja um mártir, que ele seja um ladrão, é maior que a de sentir os braços opulentos duma mulher que se entrega. É menos um. Sê, pois, forte como o diamante e como o ódio.
Tudo é egoísmo. Se és bom morrerás como Cristo, se é um tolo morrerás como Judas, se és mau - meu amigo -serás lembrado como Satã.
Acredita que metade da humanidade nasceu para se rojar pela lama, para que tu, eu, todos os maus, todos os cínicos, a esmagássemos, e lhe cingíssemos fraternalmente as carnes com um chicote.
Depois da morte há o Nada. Portanto, meu caro, aqueles que o sabem, o que pensam é em sugar a vida com um furor de agiotas sem entranhas. Isto é como no mar; já Shakespeare dizia que o “mugem vive para ser tragado pelo lúcio".
Ou serás vencido ou vencedor. Se vencido esperam-te todas as humilhações desde o desprezo até a compaixão. Se vencedor todos os triunfos desde o respeito ao Capitólio. Luta sempre, calado, fino, sabido que se não tens jeito para isto será um eunuco eterno, castrado para a Vida, para o Amor, e para o sonho.
Acredite que todos se vendem, homens e mulheres, palhaços e imperadores, cristos e mendigos: a questão é de preço e o preço sufoca todas as consciências, todas as revoltas. Acredita que falta quem compre toda a gente que se quer vender.
A geração é de covardes e “ cada ano que passa está mais corrupto o mundo ( Maximo Gorki).
Foi em Dostoievski que eu encontrei um dia esta frase: “No fundo de cada um dos nossos contemporâneos residem latentes os instintos dum carrasco! ”
A diferença que vai daquele bandalho, que passa de chapéu alto, àquele malandro, que pisca os olhos e pede esmola, não é nenhuma. Pura convenção. Se tu fosses buscar uma rameira de hospital e a toucasses de sedas ela arranjaria corte. Viriam a seus pés os famintos, as rascoas, os interesseiros, os honrados, os banqueiros, o mundo todo.
O rosto que ri não é o mesmo que chora? A boca que canta e ri não é a mesma que ameaça e insulta, que suspira, que geme e que reza? Os olhos não veem Deus e o Diabo? As almas não servem a ambos, atraiçoando ambos?
É preferível ver um cano de esgoto em toda a sua porcaria a uma alma em toda a sua intimidade. Há almas cuja treva é maior que a noite, consciências cuja lama é maior que a de todos os pântanos da terra.
À face da terra o homem não tem feito senão mal. Foi ele quem inventou os tronos e os altares, que fez a Verdade e a Mentira.
Se queres ser feliz sê, como eu, brutal na posse, canibal na ambição, sem uma aresta de apego a uma alma, pisando sempre, avançando sempre, crânio de sílex na energia, coração de sílex nas dedicações e nas torpezas.
A vida é dos de coração gelado e hirto. Amanhã é tarde, depois é impossível. Tudo na vida é mudável, tudo na vida é transitório. Tudo passa, tudo esquece. A criança será homem, o lacaio será senhor, o arbusto será árvore, o ontem será hoje, o bom será mal. Ai dos que param, ai dos vencidos!
A honra? A honra é uma fórmula, É pagar uma letra no seu prazo com dinheiro que se ganhou a traficar escravos; é ser torpe sem que ninguém o diga; é roubar sem que o roubado acuse. Há mulheres sem honra que todos cortejam, virgindades imaculadas que todos desprezam. Religiões? A religião é uma comédia cuja representação já dura há séculos. Fez sucesso! É uma coisa fútil e extravagante que se parece com as histórias dos gnomos e das princesas encantadas. Quem a não tem, compra-a. Para que servem os padres senão para “ venderem Deus por grosso e a retalho”(Zola)
Sê sempre mau e faz sugerir aos outros que és bom, sê sempre torpe dizendo-te honesto. Nada de violências. Hipócrita, cauteloso e subtil, conseguirás tudo, serás tudo, terás tudo. Uma hora de amor duma casada, uma condecoração, um emprego, a confidência dum segredo que compromete, dum vício que avilte.
Tudo se disputa. Somos um bando de corvos para uma caveira só.
A batalha da vida só tem duas fases: ou vencer ou fugir, porque para os vencidos não há piedade. O suicídio é lógico, é justo, é necessário. Para que se vive? Para sofrer? Onde existe a verdadeira felicidade, a verdadeira paz? Na morte. “Ali os ímpios cessarão de tumultos e acharão descanso os cansados de forças” (Bíblia).
Eu luto, eu sou forte, porque tenho a Morte pelo meu lado. E querendo eu morrer nem os homens nem Deus me poderiam impedir.
Que o suicida é um covarde? Não, covarde é quem atura isto até ao fim. Então uma criatura que entrou na vida e se vai embora, lá por não poder ou não querer pactuar com a torpeza dela é um covarde? Então eu que piso, eu que falseio, eu que minto, é que devo ser louvado pela minha coragem? Covarde é quem covarde lhe chama. Pudesses tu ver bem a vida e verias se o suicídio não é a única porta que o homem arrombou ao céu.
Corri o mundo todo e por toda a parte vi a mesma desolação, a mesma luta, a mesma tragédia. Vi a morte cem vezes e cem vezes a achei preferível à vida. Vi que a vida era má e escrevi estas cartas. Se as leres no meio dum festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar.
A vida é uma jornada. E todos os dias se anda um passo para a Morte.
Se acharam interessante, o livro é encontrado nos sebos e na net para free download. Filtrados os exageros, restará muita coisa para meditar. Não gostou da postagem, ficou deprimido? Albino Forjaz Sampaio responde por mim:
-Enchi-te de desolação e abandono. Que eu exagero? Mas isto ainda é pouco. A torpeza da vida não caberia em mil volumes como este. Que eu exagero?! Que eu exagero?! Patife, tu bem sabes que eu digo a verdade!
Elaborado por Alex Gil Rodrigues em 10/11/2015. Desconsidere os erros de português e obrigado pela visita.