08/05/2020

Página 18 - Meu Livro: Memórias de Zara Crotone

Gritos da rua invadem as frestas de minha janela e permaneço mergulhado no escuro, adiando o retorno à vida sob o efeito residual do medicamento. 

Abro os olhos e fito o teto ainda sonolento. Tento me levantar mas uma terrível vertigem me conduz a uma viagem espiral colorida, azul, violeta, lilás, com intervalos de enjoos e angústias.

Mantenho a calma e permaneço imóvel por mais alguns instantes, até que tudo pare de girar. Lembro do sonho e sinto um aperto no coração por um erro imperdoável em meu passado... Estou confuso.... Aquelas perguntas cortantes me atingiram feito lâminas afiadas em minha carne. Olho para o lado, não vejo ninguém e tomo a consciência de que estou justamente solitário colhendo os frutos que plantei.

Agora é tarde para arrepender e tenho que continuar minha caminhada.

Deslizo a mão vagarosamente sobre o rosto, sinto a minha pele oleosa e subitamente arregalo os olhos ao lembrar que dormi sem tomar banho!

Que absurdo! – penso em voz alta. A consciência de que adormeci sem esse ritual diário me apavora e salto da cama feito um soldado ao ouvir um toque da corneta. A água no meu corpo possui o efeito terapêutico e eu preciso me reeguer e enfrentar a vida a qualquer custo.

Corro para o banheiro, abro a torneira e sinto prazer com o contato da água gelada em meu corpo. 

Sinto-me revigorado e essa energia me faz lembrar o período em que estive servindo as forças armadas aos dezoito anos de idade. 

Naquela época, aprendi o verdadeiro significado das palavras: coragem e disciplina. Às 5:30h da manhã havia um toque de corneta chamado "alvorada" onde todos têm que levantar correndo, pois o tempo é cronometrado. Você tem que correr para o armário, destrancar o cadeado, pegar o pincel , sabão de barba, aparelho de barbear, escova de dente, por pasta, pegar sabonete, toalha e correr para o banheiro. Minha companhia, era assim que chamávamos as equipes, possuía cento e vinte homens e o banheiro contendo apenas 5 pias, cinco vasos sanitários e cinco chuveiros, todos com água fria. O tempo era curto e tínhamos que fazer barba, tomar banho, escovar os dentes e depois voltar correndo, colocar tudo no armário, pegar o uniforme, caneca, se vestir e entrar em forma para o café.

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