08/05/2020

Página 07 - Meu livro: Memórias de Zara Crotone


Quem ela pensa que é me mandando sentar num sofá como se tivesse me colocando de castigo, feito uma criança, para pensar na vida após fazer uma arte!? – pensei com meus botões.

Distancio-me da moça imediatamente para evitar mandar ela para o mesmo lugar que desejei ao gordo quando apontou aquele dedo grosso em minha direção! 


Aproximo das vidraças da sala para tentar esquecer esse imbróglio, mas me sinto pior do que antes. O reflexo da luz estroboscópica da ambulância me alcança e quase me cega por alguns segundos. Pisco os olhos e observo enfermeiros e pessoas ensanguentadas entrando sobre as macas como se estivessem vindo de um campo de batalha. Suponho que ocorreu algum acidente grave nas proximidades. Meu batimento cardíaco aumenta e se continuar assim, serei o próximo a deitar numa dessas macas ou numa urna fúnebre. Por um instante fico pensando se existem médicos suficientes para atender tanta gente! Tento me acalmar voltando para o sofá, de onde não deveria ter saído. 


Reparo que ao lado do sofá existe um compartimento cheio de revistas populares e apenas um livro com o título “Hagiografia”. Logo descubro que se trata de um tipo de biografia que consiste na descrição da vida de algum santo, beato e servos de Deus, eleitos pela igreja católica, pela sua vida e pela prática de virtudes heroicas. 

- Nunca imaginei que existisse esse tipo de coisa!

Enquanto vou apanhando intimidade com o livro, levanto a cabeça e reparo que no alto da parede azul, atrás do balcão das atendentes, repousa uma imagem de aproximadamente meio metro e uma vela tremeluzente ao seu lado. Fecho provisoriamente o livro e me levanto para examinar a estátua de perto e procurar a sua história neste livro. Logo que me levanto percebo que as pessoas presentes na sala me acompanham com o olhar. Tento não me importar com essa vigilância silenciosa e inconveniente. Visualizo com um pouco de dificuldade uma gravação em auto-relevo escrita na base da escultura, feita em letras romanas: Santa Ágata – Virgem e Mártir. 


Procuro seu nome pelo índice e descubro sua história na página 10. Sua especialidade é proteger os seios! O livro revela que existe uma proteção estabelecida para cada parte do corpo, profissões, doenças e todos males. Leio também que Ágata era filha de uma nobre família siciliana e muito bonita. O senador romano Quintianus, prefeito da região, pediu-a em casamento. Ela recusou-se e ele por vingança, colocou-a em um bordel e mesmo assim ela conseguiu escapar virgem. Achei engraçado essa parte!

Quintianus, então, acusou-a de pertencer a alguma seita e ela foi condenada e esticada na roda, açoitada, marcada com ferros em brasa e, finalmente, teve seus seios cortados. Não foram permitidos remédios, nem ataduras nas suas feridas e ela foi jogada num calabouço escuro e sem comida.

Conta a tradição que ela teve uma visão de São Pedro acompanhado de um jovem carregando uma tocha. O jovem aplicou óleos medicinais em seus ferimentos promovendo a sua cura. Quatro dias mais tarde, furioso pela cura milagrosa de Santa Ágata, Quintianus mandou que carrascos a rolassem nua, sobre uma cama de carvão em brasa misturado com pedaços de vidros.

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