O Macanudo Zé Marcino andava mais sumido que fio dental em polpa de china gorda, pois vivia escondido no retiro Rincão da onça-pintada, capivara, cutia, tamanduá e araras. Só queria saber de contar nos dedos grossos, quanto tempo ainda faltava para cultivar suas aves selvagens no xilindró de arame fino e madeiras finas de flecha-de-ubá, taquara e embaúba, avolumando seu monte pascoal abdominal e morrendo de medo de ser demitido.
Escute Macanudo, pois vou falar apenas uma vez: pega seu petiço, carrega o fiambre e dirige pra lá, para cuidar do ataúde daquele povoado às margens do Rio Paraíba que vâmu fechá aquela tapera de 70 anos, que tá veia demais pra recauchutar e num temos mais denarius para jogar lá.
Num Upa, com seu corpanzil avantajado, pançudo, bafo de túmulo e bueiro, jeitão desajeitado e sorriso bestial, recebe a enxada, pá e xerenga, do índio velho e determina: vá engendrar o jazigo perpétuo daquela cidade “imunda” e povo alegre demais pro meu gosto, pois prefiro o povo traíra de nossa terrinha, que num dá bom-dia, faz cara de merda e abaixa a cabeça oiando pru pé.
E tem mais Macanudo: - Enfia o relho, aperta o estribo e elimina os queixo-duro, pois depois de ti, tudo estará morto, oco e árido, avisa o índio velho caudilho num momento de lucidez e visão futura.
Até hoje, nenhum verme que primeiro roeu as frias carnes de Brás cubas, sobrou vivo na terra vazia, oca e desértica, prá contar que encantos eram estes que nosso chistoso Macanudo tinha que agradou por demais o índio velho, a ponto de oferecer um linda recompensa em final de carreira, que nenhum xerife do oeste, nem do leste, jamais ofereceu, para que um jagunço quase aposentado, mal ajambrado, com chapéu de palha, caniço, pezão no chão e dedo grosso, fosse ressuscitado para uma missão tão “nobre” e fúnebre. Esse jagunço sortudo não cansa de contar pra todo mundo que prefere uma enxada que uma pena ou teclado. Êta Chico bento sortudo este!
Vai entender o que se passa na cabeça de um índio velho...
Nosso zarro herói, embretado nessa missão, enfrenta os grandes temas que estavam por vir nos próximos 6 anos, haraganeando aos enleios do computador, os chasques pela internet, o esmirrado telefone celular, o dedo duro e grosso golpeando as teclas sensíveis do computador, e-mails e muitos jornais, a solidão chocha da sala gerencial climatizada, o soninho habitual depois do almoço, que teimava em fechar seus olhinhos durante à tarde, os milagres guindásticos do Viagra prá brincar com as gurias da Paulicéia no Blue Tree Towers, seu motel preferido, ops, o hotel favorito da Avipam, a preocupação com o Corola e o xenon paraguaio, as urupucas e o sibilo dos pássaros trinca-ferros, sabiás e curiós, a mente bucólica de um caipira perdido na urbi et orbi, a alcoolemia das segundas-feiras, a paciência homérica da profitente para ensinar-lhe o idioma anglo-saxão e suportar seu terrível aflato. E olhe, que se a professorinha auto-falante, desse mole, nosso herói passava o caniço na coitada, como preparativo para os surungos anuais e suas birinaites.
E nisso, caro leitor, nosso herói pára-quedista casual não está solito nesse entrevero. Comparece em sua história como convidado especial por um bom tempo, para contribuir e preencher o ócio de nosso xerife impostor. Este elemento viria a se tornar seu comparsa e especialista em sege da era moderna, seu segundo hobby, depois dos penosos. A propósito, este jagunço era ajudante de faina, conhecido como Joestino Guajuvira Sampinho, ou para as más línguas: Gaudério do administrativo. Era diáfano, delgado, sabujo e alpinista social. Sabia tudo da invenção de Henry Ford e dabliú-V, hehehe...é VW!, sua segunda paixão... E tem mais, não era um sujeito lhano, vez que esse guasca era um verdadeiro guaipeca tramposo e bajulador.
Este Gaudério, como bom pára-quedista e oportunista, caiu literalmente nas graças deste sabujo inseguro, com sua cabeça de zéfiro e miolos de geléia. Nosso herói tocava sua vidinha, como uma viola obediente aos acordes de um experiente músico, na maior tranqüilidade, porém correndo riscos e esquecendo-se de envolver-se com a missão transmitida pelo velho índio. Mas isso não era pobrema, no linguajar de nosso super-herói, pois este homem tem muita sorte e corpo fechado. Sempre esteve cercado de gente forte e competente que o carregava e o sustentava 6 anos consecutivos. Consegue apropriar das estrelas, selos de qualidade (certificações), quadros e até aparecia em várias películas fotossensíveis com sorriso de Shrek, roubando os louros de seus criados.
Nosso super-herói tem a vida que sonhava e não remascava em outra coisa senão nos seus passarinhos, seu ótimo salário, aparar seus pedaços de unha de mão cortada à mesa, cuidar da obesidade de sua conta bancária, seu automóvel com placa de bicho de pena colorida que voa na cidade preferida do índio velho, brigando com o teclado e bebendo sua cachacinha da boa que passarinho num bebe e com seu relógio que teima em rodar devagar, pospondo a volta do Macanudo Marcino à terra do povo hermano de Rio Claro, Pirassununga e Moji-Mirim. Êta revelação do inferno que o índio velho teve. Este sonho custou muito caro para o povo do engenho fluminense. Como nossa ralé sofreu com Macanudo! Foi ducaráio sua longa e desastrosa estadia em nossa terra. Nosso povo conhecia suas indecências e não podia fazer nada. Esta cumplicidade custou muito caro. O pêndulo movimentava, para a direita e para a esquerda...O sarcófago estava sendo construído...Nosso gólgota estava sendo feito no nº 655...
Sofremos mais que Geni do Zepelim gigante de Chico, recebendo patola de bosta na cara, como retorno por tudo que fizemos. Quanta ingratidão! Muito se pergunta, se se ouvida de seus compromissos, por hebetismo, despreparo ou incapacidade...Ou tudo isso junto e mais um pouco...
Mas nada assusta mais esse guasca agora, que só treme a perninha fina quando o índio velho faz perguntas sobre a dipiei ou algum detalhe do coalho, da massa da westfália ou alguma contaminação no engenho. Pena que o Zepelim Gigante não voltou logo para levar este verdadeiro encosto tranca-rua, ou melhor tranca-fábrica, todo lambuzado com tudo aquilo que Geni ganhou do povo...
Como sofre e faz sofrer nosso perdido herói, contando os dias prá aposentar, totalmente baldado na urbe, alheio a tudo e a todos. Nosso valente herói vivia tremendo o beicinho e enxugando gotas de suor na testa, quando índio velho cobrava sua missão no engenho. Numa certa tarde chuvosa, a dupla de haragano, aquele gaudério puxa-saco que apareceu como convidado no início de nosso calvário, foi ao roçado familiar, para esquecer do ofício, usando o coturno branco da fabricação, subtraído do almoxarifado da dipiei, aos olhos enviesados e perplexos dos colaboradores que seguem princípios morais socialmente aceitos com a cara rubrada, por possuir um anti-herói, capaz de superar Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, a léguas de distâncias...
A tarde de nosso Macanudo e do gaudério foi por demais aprazível! O roçado tinha muitos pássaros e o celeiro estava cheio de alimentos. Tinha pacova, milho, macacheira, aluá, cachirí, maparás e uma piraçununga envelhecida que encheu a boca de saliva, deste nosso beberrão e comilão...Era gota de vontade escorrendo pelo cantinho do sorriso bestial e escorrendo pela face, como artérias de um fino rio Cotiara. Não faltava mais nada pra satisfazer Macanudo. Ele gostava muito de cavaquear e dormir com a barriga roliça voltada pra cima, como um Sancho Pança, olhando para o zênite...Ali era mais feliz que Poliana, aquela exagerada otimista chatíssima que as adolescentes conhecem muito bem. Do seu lado direito, estava o gaudério com as mãos ocupadas com o saco de seu protetor, sendo mais fiel que rocinante e Sancho Pança juntos. Ali, saciado das delícias do roçado, Macanudo adormeceu e sonhou... Sonhou que teria uma nova Missão...Coitado de nosso herói...ainda bem que foi apenas um sonho...a estrada te espera!
Macanudo matou a saudade do cheiro da terra molhada e do cabo da enxada, sua ferramenta preferida da terra onde foi parido e nunca deveria ter saído, para o bem do povo barra-mansense!
Macanudo, sua estória em nosso engenho é longa, dramática, estéril e forjada pelo medo e desesperança. Não iremos continuar a partir desta, pois sofremos demais com sua infeliz companhia. Nosso povo oferece uma última homenagem e torce para que esqueça Barra Mansa, uma cidade que o acolheu muito bem. Perdemos tempo demais com o senhor e esperamos nunca mais escrever sobre sua pessoa, prometemos. Precisamos cuidar de nossa vida a partir de agora e você da sua, longe daqui, de preferência, muito longe mesmo. Por favor, esqueça-nos, pois desejamos recuperar nossa lucidez no mar da impotência e injustiças que vivemos na sua companhia e ter paz de espírito e um ano 2008 muito melhor. Não esperamos consolo ou apoio psicológico contratado, pois recusamos as palavras mecânicas ditas por “motivadores” com tarefas dirigidas e idiotizadas de barbantinhos e mãos dadas! Nem desejamos “gratidão financeira” depositada em conta bancária...Nada quitará o deserto psicológico que nos causou com o fechamento da fábrica. Enfrentaremos o novo tempo e o peso da realidade sem a ingenuidade de acreditar que pertencíamos a uma família...Hoje somos mais maduros e vamos suportar com esperança o deserto e aridez que deixou em nossas vidas...