12/06/2016

Quebrando o encanto


Neste sábado com temperatura média de 10°C aqui na cidade de Araras, interior de São Paulo, fiquei em casa como habitual e resolvi esconder-me debaixo do edredom lendo um livro do Daniel Dennett que se chama "Quebrando o encanto".

Ele inicia o livro pedindo ao leitor que observe uma formiga em um prado, laboriosamente subindo por uma folha de capim, cada vez mais alto, até que cai, depois sobe outra vez, e mais outra, como Sísifo rolando sua pedra, sempre tentando chegar ao topo e faz a seguinte pergunta: Por que ela faz isso? Que benefício estará buscando para si própria nessa estranha e extenuante atividade? 

A pergunta é que está errada. Não há benefícios biológicos para a formiga. Ela não tenta obter uma visão melhor do território, nem procura comida ou se exibe para um parceiro em potencial, por exemplo. Seu cérebro foi dominado por um parasita minúsculo, Dicrocoelium dendriticum, que precisa entrar no estômago de um carneiro ou de uma vaca para completar seu ciclo reprodutivo. 

Esse pequeno verme cerebral dirige a formiga a uma situação que beneficie sua progênie, e não a da formiga. Esse não é um fenômeno isolado. Do mesmo modo, parasitas manipuladores infectam peixes e camundongos, Essas caronas fazem com que seus hospedeiros se comportem de modo bizarro - até mesmo suicidas - para benefício do parasita, não do hospedeiro. 

Será que com os seres humanos acontece alguma coisa parecida? Acontece sim. Com grande frequência encontramos seres humanos que deixam de lado seus interesses pessoais, sua saúde, suas oportunidades de terem filhos e dedicam a vida inteira a promover uma ideia que se fixou em seus cérebros. A palavra árabe islam significa "submissão", e todo bom maometano dá testemunho disso, reza cinco vezes por dia, dá esmolas, jejua durante o Ramadã e tenta fazer a peregrinação ou hajj a Meca, tudo em nome da ideia de Alá e de Maomé, o mensageiro de Alá. Cristãos e judeus fazem coisa parecida, é claro, devotando a vida a disseminar a Palavra, fazendo sacrifícios enormes, sofrendo bravamente, arriscando a vida por uma ideia. Os skhs, os hindus e os budistas fazem o mesmo. E não nos esqueçamos dos muitos milhares de humanistas seculares que deram a vida pela Democracia, pela Justiça ou pela simples Verdade. Há muitas ideias pelas quais se pode morrer. 

Ao contrário dos vermes, as ideias não são seres vivos e não invadem cérebros; elas são criadas por cérebros. As duas coisas são verdadeiras, mas não são objeções tão reveladoras como a princípio parecem. Ideias não são seres vivos; elas não conseguem enxergar aonde estão indo e não tem membros com os quais guiar um cérebro hospedeiro, mesmo que conseguissem enxergar. É verdade, mas um Dicrocoelium dendriticum também não é exatamente um cientista de foguetes espaciais; não é mais inteligente que uma cenoura, na verdade; nem sequer tem um cérebro. Tudo o que tem é a boa sorte de ser dotado com características que afetam os cérebros de formigas dessa maneira útil sempre que entram em contato com elas. (Essas características são como as manchas semelhantes a olhos nas asas de borboletas, que algumas vezes enganam as aves predadoras, fazendo-as pensar que algum animal grande as está olhando. Os pássaros se afastam e as borboletas se beneficiam, mas sem mérito algum por isso). Uma ideia inerte, se for projetada acertadamente, poderá ter um efeito benéfico sobre um cérebro sem precisar saber que isso está acontecendo! E, se tiver, ela poderá prosperar, porque é feita por aquele projeto. 

A comparação entre a Palavra de Deus e um Dicrocoelium dendriticum é inquietante, mas a iniciativa de comparar uma ideia a uma coisa viva não é nova. 

Bem, o livro continua mas paro por aqui. Caso tenha interesse pelo tema, recomendo. 

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