19/10/2015

2001 O silêncio que não estava lá




Outubro de 2001.

Da varanda silenciosa penso na vida, enquanto tento descansar. Na minha mão direita uma caneta azul, em meu colo um velho caderno e na minha mente algumas recordações banais.


Daqui onde estou sentado, tudo parece tranquilo... ruas desertas, pardais cantando e as nuvens brancas sem forma viajando ao sabor do vento pelo céu azul.
Até que esse raro momento é interrompido subitamente por ruídos e músicas que perturbam o silêncio reparador e ameaçam o equilíbrio momentâneo. 
Quem já morou na periferia entende o que estou escrevendo. 
Tenho uma teoria que quanto maior o volume emitido pela pessoa, menor a sua inteligência. 
Na verdade, estou sendo educado. Acho que o melhor seria dizer que quanto maior o seu grito, o volume do seu aparelho de som ou qualquer coisa que possa ser amplificado, maior o grau de sua "burrice". 
Gente sem educação adora volume alto! Até para falar, sorrir ou chamar aos outros...
Sábado é domingo é dia de fazer barulho, muito barulho! 

Tento me concentrar na folha branca de meu caderno, mas não consigo.
O bairro está agitado. 
Carros e motos aceleram exageradamente para vencer a inclinação da rua, deixando para trás ruídos e cheiro de combustível.
Meu coração dispara devido ao ronco ensurdecedor do cano furado da motocicleta.
Até os pardais se incomodam e vão embora da amendoeira para buscarem algum recanto longe desse caos.
Aos poucos, outras casas também ligam seus aparelhos de som como se fosse uma competição para descobrir quem possui o aparelho mais alto!
Inferno bom tem que ter barulho!
Será que no inferno têm música também?
Funk, axé ou pagode?
Vivo na contramão. Não gosto de som alto.
O conceito sobre a felicidade é mesmo relativo!
Que pena. Algumas coisas não deveriam ser relativas.
Para alguns, felicidade é invadir os tímpanos do outro sem permissão. 
Felicidade para mim é ficar em silêncio.

Antes de desistir de ficar na varanda, minha visão alcança um bar e os meus ouvidos percebem duas caixas amplificadoras penduradas na parede tocando músicas que ecoam por toda a vizinhança. O dono do bar gostar de ouvir um som bem alto. Ele vive sozinho e parece que a música alta lhe faz companhia.
Em bares de periferia só existe gente feliz.

Algumas pessoas conversam sentadas na porta.
Os copos americanos estão no chão entre as pernas.
Provavelmente confabulam sobre o calor, da bunda da vizinha ou o Flamengo.
Filósofos de botequim!



Vovó falava que quem se mistura com porco, farelo come.
Vovó tinha razão. 
Aprecio a independência, a autonomia e o respeito ao próximo e nem sempre encontramos isso em determinados ambientes.
Ficar sozinho com os pensamentos é um prazer.
Outro prazer é estar acompanhado de gente que diz alguma coisa, diverte ou contempla algo em comum...
Tem gente que detesta ficar sozinho e até sente solidão.
Vai ver não suporta a si mesmo.
Eu não sinto isso. Solidão é um estado mental e independe da quantidade de pessoas perto (meio clichê isso). 
Gosto de caminhar pelas calçadas vazias, sem relógio, ouvindo as cigarras e o vento que corta. 
Funciona como uma terapia ao ar livre. Revigorante! 
Quem possui filhos incansáveis e que custam para dormir, sabe o valor silêncio. 

Continuo observando os "filósofos" de botequim.
Sobra cerveja no copo e falta perspectiva na vida.
Cigarro na boca, gritos estridentes e muitas gargalhadas.
Estão falando de seu time...
O copo é o sentido da vida.
Dois homens conversam e mal se olham.
Um está balançando, como um pêndulo e mal consegue se equilibrar.
Enquanto um sujeito fala alguma coisa o outro silencia.
Seus movimentos são limitados. Provavelmente como suas mentes.
Pobres homens.
Existe uma mesa de sinuca e uma prateleira cheia de troféus. Vitória?
O conceito de vitória é relativo, como tudo na vida.
O homem fumante, passa giz na ponta do taco, apoia o taco na mão esquerda e o empurra em direção à bola que desliza no campo verde até cair no buraco.
Ele é um sujeito muito importante. Foi campeão de sinuca. Grande bosta!
A bola corre para a caçapa enquanto o homem aguarda o buraco de sua sepultura.
Vejo o homem e a bola seguirem o mesmo destino. O buraco.
Vou parar por aqui e cuidar da minha vida que ganho mais.
A cama será melhor companheira.
O som continua alto.
Fecho a porta em busca de silêncio, estico o braço até a minha estante e me refugio num livro.

Boa noite!



Mais uma bobagem resgatada de um caderno cujo destino será o lixo, elaborado por Alex Gil Rodrigues em 19/10/2001. Você que passou por aqui e leu isso, já parou para pensar o que ganhou com essa leitura? Eu te ajudo a responder: NADA. Isso é apenas uma distração desse pequeno ser banal.


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