21/04/2020

Projetos abandonados



Com a passagem do tempo, percebemos que deixaremos de realizar vários projetos. Eu também tive projetos abandonados e não foram poucos. Não fiz a faculdade que gostaria, não terminei o meu curso de inglês, não consegui tocar o meu teclado Yamaha sem esforço e também não concluí a escrita de meu livro. Gastei muitas horas de meu tempo nestes projetos inacabados e infelizmente fui vencido por outras prioridades para sobreviver no sistema e não tive mais vontade de continuar.

É difícil assumir um projeto abandonado. Primeiro a gente posterga e imagina sua realização no futuro, mas o tempo, ah! o tempo, esse vilão intransigente e implacável nos lembra que somos finitos e não teremos tempo suficiente para realizar tudo que projetamos. O tempo passa mais um pouco e a vontade e o prazer continuam ausentes. Até que um dia, mais velhos, finalmente assumimos que não conseguiremos dar prosseguimento e contabilizamos mais um risco do fracasso na parede da vida e aceitamos a interrupção. 

Pensando bem, acho que não devemos sofrer por isso. Precisamos dar um ponto final nas pendências para nos sentirmos mais leves. Aliás, livrar-se do que é inútil deve ser um exercício constante em nossas vidas. E isso vale para coisas, pensamentos e até pessoas.

Quanto ao livro inacabado, para que não seja totalmente perdido, pretendo deixar  as páginas que escrevi aqui no Blog Banal oportunamente, mesmo faltando conclusões e revisões. Seria uma forma de deixar um projeto inacabado como legado para conhecimento de algum amigo ou quem sabe, um descendente curioso por alguma memória de seu avô, tio, ou qualquer pessoa com tempo ocioso, que tenha chegado acidentalmente aqui no Blog Banal e que tenha paciência de ler, algo raro na atual geração. Adianto que tal conteúdo não tem nenhum valor literário e se coloco aqui é por um pouco da vaidade que me sobrou e também por pena de jogar fora esse tempo gasto, mesmo ciente de que isso nada acrescentará à vida do leitor. 


Outono de 2020.

Alex Gil Rodrigues

O sonho - Trecho de meu livro




Sonhei que caminhava descalço e desorientado numa fazenda de café. Os meus pés afundavam na terra macia e vagava sem destino, como Dante na selva escura. Aproximei-me de um rio e parei próximo à sua margem lotada de gravetos e folhas secas. Escalei uma pequena pedra lisa e angular cujo formato lembrava um trampolim, flexionei os joelhos, juntei as mãos na altura do ombro e mergulhei de olhos fechados no sentido transversal à correnteza. Era agradável e relaxante o contato com a água fria sobre o meu corpo. Após algumas braçadas, levantei a cabeça para fora da superfície e apesar da escuridão, avistei o vulto de uma pessoa sentada na entrada de uma pequena gruta do outro lado da margem. Um pequeno lampião fornecia uma pequena luminosidade. 

Movido pela curiosidade, caminhei na direção daquela pessoa e me escondi atrás de um arbusto. Naquela distância, a imagem borrada impedia-me a visualização de seu rosto. Aproximei-me mais um pouco, tomando cuidado para não ser avistado e a intrigante imagem se formou. Ao lado da pessoa haviam dois cachorros descansando. Por um descuido, pisei sobre alguns gravetos e o ruído revelou a minha presença. Os animais me olharam com inesperada indiferença e permaneceram estáticos. O desconhecido, levantou-se e veio caminhando lentamente em minha direção.

Meu coração disparou por ter sido surpreendido e mais ainda ao ficar de frente com aquele rosto e perceber que era familiar. Era muito magro, cabelos lisos e pretos, caindo na testa e caminhava como um idoso. O espanto inicial foi substituído por uma súbita tristeza. Possuía a fisionomia de uma pessoa angustiada e derrotada. Senti vontade de abraçá-lo mas não tive coragem. Não restava mais dúvidas, era ele! 

- Pai! O senhor aqui? – perguntei surpreso. 

- Porque o senhor foi embora de nossas vidas, no momento em que nossa família mais necessitava de sua presença, seus exemplos e ensinamentos? 

Enquanto eu perguntava ele permanecia cabisbaixo e silencioso. 

- Pai! – exclamei num tom mais alto. Depois que o senhor partiu, passamos muitas necessidades e tive uma infância miserável. Sem apoio, sem dinheiro e sem a sua proteção. 

- Mamãe ficava deitada o dia inteiro, abatida e sem energias sequer para fazer um café! 

- Pai! Pela última vez lhe imploro, fala comigo! Que lugar do mundo sua presença se fez mais importante do que a nossa família? 

- Passamos muitas noites sem dormir esperando a sua volta. Olhávamos para o imenso céu estrelado, pedindo a Deus a sua volta. Porque abandonou as pessoas mais importantes de sua vida? 

- Deus, silencioso como habitual, nunca respondeu nossas súplicas. O céu era indiferente à nossa dor... como o senhor! 


Ele permanecia olhando para o chão de forma covarde e mais indefeso do que um réu diante de seu inquisidor, cuja acusação era injusta. 

Sentia o peso das acusações e não conseguia se defender... Ele também não tinha culpa pelos caminhos inesperados da vida e foi também acorrentado e punido pela consciência pesada por algo que não podia lutar, a morte, nosso maior carrasco depois da consciência. 

Acordei suando frio com o barulho da chuva em minha janela...