O celular intolerante expulsa a gente da cama

Avançamos sem parar feito um carro solto numa longa descida. Parar é impossível e seguimos até o fim. O piso não adere, o barro desliza e as pedras empurram com mais força. Temos que ir à qualquer custo, mesmo com o carro balançando. Enquanto isso, inventamos distrações pelo caminho para suportar o tédio, as pedras e a lama. Enfrentar a cama é fácil, difícil é percorrer as estradas acidentadas e o eterno relógio. 

Ah! O relógio! Esse instrumento mecânico, carrasco, frio e insensível. Programado para repetir. Um dia, um ano, dois anos...a vida toda. Ano novo, vida velha. Cópia da cópia. Cópia da cópia da cópia até não existir mais original. Vida que se repete. Vida que se copia. Sucesso, saúde e paz desejados no aniversário. Desejos, desejos e mais desejos. Esperança, esperança e esperança de qualquer coisa. Esperança no além. Esperança em ninguém. 

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A vida pode não ser boa mas ninguém quer a morte. Há valores que surgem com a perda. E quem não tem saúde comemora qualquer dia. A rotina é uma velha ladra. Rouba o tempo e a contemplação. O dia é um bicho preguiça e a noite um falcão. 

O celular intolerante expulsa a gente da cama. Chinelo sobre o tapete. Um toque na cafeteira. Miado atrás da porta. Gato preto e interesseiro. Vive esperando a chave girar à esquerda. Ração jogada no cocho. Bichano roça a perna. Roupas que pulam ao chão. Torneira que roda e liberta. Água que parece chuva. Viaja pelo ralo. Cheiro de sabonete. Ar umedecido. Toalha que seca tudo. Pente que ordena os fios. Desodorante que refresca. Perfume que agrada. Roupa de novo no corpo. Sapato preto no pé. Café quente na cafeteira. Leite aquecido pelo microondas. Pão de forma na torradeira. Açúcar cristal na mesa. Margarina e faca, xícara e papel toalha. Fio dental e escova de dente. Alarme desligado. Carteira e crachá, capacete e controle remoto. Portão eletrônico aberto. Capacete e moto ligada. Vento cortante e rotatórias. Mais um dia que se repete. Celular expulsa a gente da cama. Celular intolerante. Chinelo sobre o tapete. Um toque na cafeteira. Gato preto e interesseiro...

Insanidades elaboradas por Alex Gil Rodrigues no dia 06/03/2015. 

* Bateu uma vontade de apagar isso, mas deixarei, apesar de me sentir um pouco idiota depois de uma segunda leitura.