21/04/2020

O sonho - Trecho de meu livro




Sonhei que caminhava descalço e desorientado numa fazenda de café. Os meus pés afundavam na terra macia e vagava sem destino, como Dante na selva escura. Aproximei-me de um rio e parei próximo à sua margem lotada de gravetos e folhas secas. Escalei uma pequena pedra lisa e angular cujo formato lembrava um trampolim, flexionei os joelhos, juntei as mãos na altura do ombro e mergulhei de olhos fechados no sentido transversal à correnteza. Era agradável e relaxante o contato com a água fria sobre o meu corpo. Após algumas braçadas, levantei a cabeça para fora da superfície e apesar da escuridão, avistei o vulto de uma pessoa sentada na entrada de uma pequena gruta do outro lado da margem. Um pequeno lampião fornecia uma pequena luminosidade. 

Movido pela curiosidade, caminhei na direção daquela pessoa e me escondi atrás de um arbusto. Naquela distância, a imagem borrada impedia-me a visualização de seu rosto. Aproximei-me mais um pouco, tomando cuidado para não ser avistado e a intrigante imagem se formou. Ao lado da pessoa haviam dois cachorros descansando. Por um descuido, pisei sobre alguns gravetos e o ruído revelou a minha presença. Os animais me olharam com inesperada indiferença e permaneceram estáticos. O desconhecido, levantou-se e veio caminhando lentamente em minha direção.

Meu coração disparou por ter sido surpreendido e mais ainda ao ficar de frente com aquele rosto e perceber que era familiar. Era muito magro, cabelos lisos e pretos, caindo na testa e caminhava como um idoso. O espanto inicial foi substituído por uma súbita tristeza. Possuía a fisionomia de uma pessoa angustiada e derrotada. Senti vontade de abraçá-lo mas não tive coragem. Não restava mais dúvidas, era ele! 

- Pai! O senhor aqui? – perguntei surpreso. 

- Porque o senhor foi embora de nossas vidas, no momento em que nossa família mais necessitava de sua presença, seus exemplos e ensinamentos? 

Enquanto eu perguntava ele permanecia cabisbaixo e silencioso. 

- Pai! – exclamei num tom mais alto. Depois que o senhor partiu, passamos muitas necessidades e tive uma infância miserável. Sem apoio, sem dinheiro e sem a sua proteção. 

- Mamãe ficava deitada o dia inteiro, abatida e sem energias sequer para fazer um café! 

- Pai! Pela última vez lhe imploro, fala comigo! Que lugar do mundo sua presença se fez mais importante do que a nossa família? 

- Passamos muitas noites sem dormir esperando a sua volta. Olhávamos para o imenso céu estrelado, pedindo a Deus a sua volta. Porque abandonou as pessoas mais importantes de sua vida? 

- Deus, silencioso como habitual, nunca respondeu nossas súplicas. O céu era indiferente à nossa dor... como o senhor! 


Ele permanecia olhando para o chão de forma covarde e mais indefeso do que um réu diante de seu inquisidor, cuja acusação era injusta. 

Sentia o peso das acusações e não conseguia se defender... Ele também não tinha culpa pelos caminhos inesperados da vida e foi também acorrentado e punido pela consciência pesada por algo que não podia lutar, a morte, nosso maior carrasco depois da consciência. 

Acordei suando frio com o barulho da chuva em minha janela...


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